Domingo XVII do Tempo Comum – ano A – 26 de julho de 2020

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Domingo XVII do Tempo Comum – ano A – 26 de julho de 2020

1 – A precedência de Deus na nossa vida, a prioridade, primazia e exclusividade do nosso amor por Ele, leva a estarmos mais próximos uns dos outros, a tratar-nos como iguais, a reconhecer-nos filhos, a tratar-nos como irmãos, a aceitar as nossas limitações e a perdoar as fragilidades dos outros, porque só Deus é Deus, e Deus que é Pai e Pai de todos, sabendo que estamos no mesmo barco, sob a mesma bênção!

Voltamos a escutar, da boca de Jesus, parábolas sobre o reino de Deus. Este não é um território físico, mas uma dinâmica espiritual, remetida, não apenas para o futuro, posterior à morte, mas um continuo que se inicia aqui e agora, se vive e vai alastrando, do interior para o exterior. Lembremos aquele pai que precisava de trabalhar, mas o filho não o deixava… então entregou-lhe um puzzle para completar o mundo. Passados uns instantes, para surpresa do pai, o filho voltou para lhe entregar o puzzle. Então o pai questionou-o sobre como conseguiu completar o puzzle tão rapidamente. A resposta do filho: da parte detrás tinha a figura de um homem, bastou “construir” o homem, para que o mundo ficasse também construído. A conclusão: para consertar o mundo, primeiro conserte-se o homem. Na dinâmica cristã, a conversão começa por nós, pelo nosso interior, e, uma vez convertidos, teremos então a capacidade de iluminar os outros, tornando mais acessível o caminho da conversão, mostrando a possibilidade de mudar a partir de dentro, alargando a transformação a todas as dimensões da vida. Por vezes é preciso ver que alguém consegue, é preciso que alguém desbrave caminho e vá adiante.

2 – «O reino dos Céus – diz Jesus – é semelhante a um tesouro escondido num campo. O homem que o encontrou tornou a escondê-lo e ficou tão contente que foi vender tudo quanto possuía e comprou aquele campo. O reino dos Céus é semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Ao encontrar uma de grande valor, foi vender tudo quanto possuía e comprou essa pérola».

A nossa vida é constituída por diversas opções, mas há algumas que são fundamentais, levando-nos a renunciar a tudo o mais. Mas mais importante que a renúncia, é a opção por algo maior. Quem não Me amar mais do que ao pai, à mãe, ao filho ou à filha, ou à própria vida, não é digno de Mim. Ouvíamos este desafio de Jesus aos Seus discípulos, mas com a certeza que o reino é Tudo: é o que nos preenche, sossega, nos leva ao melhor de nós, nos transforma e dá sentido à vida. É o que nos faz querer amar, servir e cuidar. Uma vez preenchidos, damos um passo em frente, não precisamos de reclamar a atenção dos outros, estamos disponíveis para nos darmos. Deus é o tesouro maior e único. Levaremos tempo a perceber que esta primazia e precedência não nos rouba as pessoas, muito menos o amor que lhes temos e que nos têm. Não, porque estando “plenizados” desse amor maior, dessa opção, não precisamos de nos perder a mendigar migalhas, porque nos sentimos filhos amados e como tal podemos acolher (em nossa casa, em nosso coração, na nossa vida) os outros e dar-lhes o alimento de que precisam para valorizarem a vida, dando-lhe sentido e contagiando outros.

Quem se sente amado, pode amar. O amor de Deus e o amor por Deus capacita-nos e liberta-nos para amarmos sem idolatrias nem instrumentalizações. Quem não ama e não se sente amado, absolutiza a perda, a ausência e o vazio, e desencontra-se com tudo e com todos na procura, pois está desorientado!

3 – «O reino dos Céus é semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. Logo que se enche, puxam-na para a praia e, sentando-se, escolhem os bons para os cestos e o que não presta deitam-no fora. Assim será no fim do mundo: os Anjos sairão a separar os maus do meio dos justos e a lançá-los na fornalha ardente. Aí haverá choro e ranger de dentes. Entendestes tudo isto?»

Quando o amor nos move, quando Deus preside aos nossos juízos e sentimentos, quando nos deixamos inspirar pelo amor de Deus, procurando em primeiro lugar o Seu reino de paz e de bondade, de justiça e ternura, a nossa paciência multiplicar-se-á e o nosso olhar será transformado pela Sua benevolência. Com a parábola do trigo e do joio, Jesus convocou-nos para a paciência e a não nos precipitarmos nos juízos de valor. No final, somente no final, os Anjos de Deus separarão o trigo do joio, os bons e os maus… até lá o trigo e o joio crescem juntamente… até lá a rede lançada ao mar apanha toda a espécie de peixes…

Partimos do pressuposto que somos o trigo, que somos os peixes bons, mas talvez sejamos o joio e os peixes que não servem senão para deitar fora! Ou talvez, a um tempo sejamos trigo e peixe bom e a outro tempo joio e peixe ruim. Se pensarmos desta forma, não vamos querer ser “arrancados” antes do tempo, não vamos querer ser lançados, como peixe, ao mar, antes de nos ser dada a hipótese de chegar a terra! Se não queremos para nós, tão pouco vamos queiramos para os outros!

Os peixes cabem todos no barco, não nos cabe a nós a escolha, e ainda bem, pois em algum momento o nosso olhar podia estar toldado pela proximidade ou pelo ódio, pelo afeto ou pela indiferença, pelo cuidado ou pela inveja. Deixemos que seja a misericórdia de Deus a salvar-nos, a purgar-nos, com o Seu olhar de Pai, a purgar-nos da ruindade e do preconceitos, para que prevaleça a boa semente, o fruto produza em abundância, porque cai em boa terra, trabalhada, e a pesca seja abençoada pela bonança!

4 – Na oração inicial da Eucaristia, pedimos ao Senhor que multiplique em nós a Sua misericórdia: “Deus, protetor dos que em Vós esperam, sem Vós nada tem valor, nada é santo. Multiplicai sobre nós a vossa misericórdia, para que, conduzidos por Vós, usemos de tal modo os bens temporais que possamos aderir desde já aos bens eternos”.

A misericórdia de Deus faz-nos ver melhor os nossos irmãos e usar bem os bens temporais, para que tudo concorra para o bem de todos. Ele lança a semente, dá-nos o tempo e os dons; cabe-nos acolher a Sua graça, multiplicando-a pela partilha, pela comunhão e pelo serviço.

Na primeira Leitura, escutámos o pedido de Salomão a Deus: «Senhor, meu Deus, Vós fizestes reinar o vosso servo em lugar do meu pai David e eu sou muito novo e não sei como proceder. Este vosso servo está no meio do povo escolhido, um povo imenso, inumerável, que não se pode contar nem calcular. Dai, portanto, ao vosso servo um coração inteligente, para governar o vosso povo, para saber distinguir o bem do mal; pois, quem poderia governar este vosso povo tão numeroso?».

O pedido de Salomão agrada ao Senhor: «Porque foi este o teu pedido, e já que não pediste longa vida, nem riqueza, nem a morte dos teus inimigos, mas sabedoria para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo. Dou-te um coração sábio e esclarecido, como nunca houve antes de ti nem haverá depois de ti».

Se nos dessem a escolher, o que escolheríamos nós: dinheiro, saúde, paz, sabedoria, poder, longa vida? Salomão pede a sabedoria do coração, para conduzir o povo, para discernir entre o bem e o mal, a fim de não se precipitar em juízos, e se tornar um verdadeiro líder, ao serviço do povo. Sem sabedoria, a riqueza material é debastada egoisticamente, a saúde será destruída, o poder levará à ruína, multiplicando os inimigos, a longa vida tornar-se-á um longo calvário.

5 – Com Salomão, peçamos ao Senhor, não a esperteza para nos colocarmos acima dos outros, mas a sabedoria que ama, que cuida e que serve, a sabedoria que paciente e generosamente procura o bem maior, o bem de todos, sujeitando os caprichos individuais ao bem comum.

Diz-nos São Paulo: «Nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem daqueles que O amam, dos que são chamados, segundo o seu desígnio. Porque os que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que Ele seja o Primogénito de muitos irmãos. E àqueles que predestinou, também os chamou; àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou».

Deus que nos ama infinitamente, ao ponto de nos entregar o Seu Filho único, concorre para que a nossa vida seja bênção. Partícipes na morte e ressurreição de Jesus, pelo batismo, fomos redimidos, fomos salvos do pecado e da morte eterna, tornámo-nos novas criaturas, filhos amados de Deus e reconhecidos como tal. Agora, no tempo presente, há que sancionar, na prática, no dia a dia, na relação com o mundo e com os outros, a nossa pertença a Deus, a nossa inserção a Cristo, a nossa identidade batismal, deixando que o Espírito Santos nos inspire constantemente no nosso pensar e no nosso agir, transparecendo, a caridade divina.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): 1 Reis 3, 5. 7-12; Sl 118 (119); Rom 8, 28-30; Mt 13, 44-52.