Domingo XXII do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XXII do Tempo Comum – ano A – 2023

Maria, “apoio seguro”. Na Mongólia, ela se encarnou numa lixeira. “Naquele lugar dos detritos, apareceu esta bela estátua da Imaculada: Ela, sem mácula, imune do pecado, quis chegar tão perto a ponto de ser confundida com os desperdícios da sociedade, para que, da imundície do lixo, emergisse a pureza da Santa Mãe de Deus.”

1 – Uma palavra pode mudar a vida toda. Uma palavra, um instante, um acontecimento, um gesto, e o curso da história segue numa direção diferente, por vezes, diametralmente oposta.

Há oito dias, víamos a firmeza de Pedro na confissão de fé acerca de Jesus, sob inspiração divina. Hoje, Pedro deixa-se levar, já não pela inspiração do Pai, mas pelos seus interesses muito humanos e mundanos.

«Tu és o Messias, o Filho de Deus». À resposta de Pedro, Jesus confessa que sobre “esta pedra”, sobre Pedro, edificará a Sua Igreja, e nem as portas do inferno prevalecerão sobre ela. Mas não se pense que tal revelação corresponde a tranquilidade para os Seus seguidores, pois logo Jesus lhes diz que há muito caminho a percorrer e se avizinham tempos adversos.

Destarte, Jesus explica que o caminho os levará a Jerusalém, onde o Filho do Homem sofrerá muito por parte dos anciãos, príncipes dos sacerdotes e dos escribas, será morto e ressuscitará ao terceiro dia.

Então, Pedro, novamente assumindo a dianteira, chama Jesus à parte e começa a contestá-l’O: «Deus Te livre de tal, Senhor! Isso não há de acontecer!».

Imaginamos Pedro como um assessor político ou como chefe de gabinete, preocupado com os estragos que esta revelação de Jesus poderá provocar entre os seguidores, é preciso não falar alto estas coisas e, será preferível, traçar outro caminho que não o escolhido pelo Mestre.

Pensando bem, foi por essa mesma precipitação que Judas viria a entregar Jesus, para que Ele Se revelasse na Sua realeza e com o Seu poder. Pedro, como depois Judas, quer que Jesus aja de outra maneira, que escolha outro caminho, e não o do sofrimento, do serviço, da paciência, o caminho do amor, que pode envolver sacrifício e sofrimento, pobreza e morte. Para os discípulos, essa não é uma escolha viável. Os assessores de Jesus são entendidos! Mas na escolha de lugares! Terão de aprender o caminho da entrega e do gastar a vida a favor dos outros.

2 – A reprimenda de Jesus a Pedro é clarificadora: «Vai-te daqui, Satanás. Tu és para mim uma ocasião de escândalo, pois não tens em vista as coisas de Deus, mas dos homens».

A espontaneidade de Pedro, tendo o coração ao pé da boca, levam-no a reagir quase sem pensar e a transparecer o que lhe vai na alma. É uma frontalidade ingénua e precipitada! Mas veremos que não é uma característica específica do Pedro, vê-la-emos em Judas, vê-la-emos tem todos os discípulos quando se disponibilizam para ocupar o lugar de Jesus ou pelo menos o lugar mais favorável.

Para todos, para eles e para nós, Jesus responde, mais uma vez, sem trejeitos, reservas, condicionantes: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida há de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la».

São estas as diretrizes do seguimento. Seguir Jesus não é para qualquer um. Todos são chamados, mas seguir Jesus implica a disposição para renunciar a outros caminhos, a envolver a vida por inteiro e não apenas pedaços ou quando convém. Ele não nos promete um caminho fácil, compromete-Se connosco a acompanhar-nos em todas as vicissitudes e contratempos, na garantia que nem a morte será um impedimento para a nossa comunhão com Ele.

«Na verdade, questiona Jesus, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Que poderá dar o homem em troca da sua vida? O Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus Anjos, e então dará a cada um segundo as suas obras».

O nosso tesouro é a nossa vida, que nos foi dada e nos cabe gastar, viver, perder, arriscar, não de qualquer jeito, mas ao modo de Jesus, amando, cuidando, servindo.

3 – Jeremias sabe bem o que é tomar a cruz para acolher e concretizar o chamamento de Deus, na fidelidade a essa vocação de anunciar as palavras de Deus e os Seus desígnios de paz e de verdade, de justiça e de misericórdia, de caridade e harmonia.

A iniciativa é de Deus. «Vós me seduzistes, Senhor, e eu deixei-me seduzir; Vós me dominastes e vencestes». Deus cria-nos por amor, por amor nos salva, integrando-nos no Seu projeto de amor. O povo eleito tem a missão de fazer chegar a todos os desígnios de Deus. Do mesmo modo, os líderes que Deus chama e envia. Patriarcas, juízes, profetas e reis estão ao serviço do Povo na missão instrumental de que este seja Luz das Nações.

Tempos difíceis e de grande contradição marcam a vida de Jeremias. Chamado por Deus e escolhido como Profeta, Jeremias não tem uma vida nada fácil. A zombaria e a perseguição são uma constante na sua vida ao ponto de clamar a Deus. «Em todo o tempo sou objeto de escárnio, toda a gente se ri de mim; porque sempre que falo é para gritar e proclamar: ‘Violência e ruína!’».

Ainda que o propósito seja positivo, chamar as pessoas à razão, para voltarem a Deus, na vivência sadia dos mandamentos, na procura de justiça e harmonia no povo, as palavras de Jeremias são duras, não se contentando com meias palavras, mas colocando tudo em pratos limpos, sem meias nem peias, sem paninhos quentes. Tudo isso lhe granjeia inimizades e injúrias.

O desabafo de Jeremias mostra bem a adversidade, mas abala a sua firmeza. Por vezes parece vacilar – «Não voltarei a falar n’Ele, não falarei mais em seu nome» –, mas o compromisso com a sua missão prevalece: «Mas havia no meu coração um fogo ardente, comprimido dentro dos meus ossos. Procurava contê-lo, mas não podia». Afinal Deus não o abandona, só tem que parar, orar, escutar a voz que lhe inunda o coração e prosseguir.

4 – A firmeza na missão assenta na intimidade com Deus. Ninguém dá o que não tem, costumamos dizer. Para darmos Deus, para O anunciarmos, para pregarmos a Sua Palavra, para transparecermos a Sua vontade, temos de ser cúmplices Deus. A oração abre o nosso coração para acolhermos o coração de Deus, deixando que Ele nos preencha, converta, sintonizando a nossa com a Sua vontade. Como Maria, faça-se em mim e em ti, cumpra-se em nós a Sua vontade.

É esta a oração com que iniciamos a Eucaristia: «Deus todo-poderoso, de quem procede todo o dom perfeito, infundi em nossos corações o amor do vosso nome e, estreitando a nossa união convosco, dai vida ao que em nós é bom e protegei com solicitude esta vida nova».

A súplica faz-nos próximos, identifica-nos com o amor de Deus, predispõe-nos para traduzirmos em palavras e obras os dons que Ele nos dá. A intimidade com Deus há de extravasar na nossa vida.

Na mesma onda, o salmista ajuda-nos a perceber a sede que temos e a água que pode saciar os nossos anseios. «A minha alma tem sede de Vós. Por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água. / A vossa graça vale mais do que a vida; por isso, os meus lábios hão de cantar-Vos louvores. / Serei saciado com saborosos manjares, e com vozes de júbilo Vos louvarei. / Porque Vos tornastes o meu refúgio, exulto à sombra das vossas asas. Unido a Vós estou, Senhor, a vossa mão me serve de amparo».

De que adianta ganhar o mundo inteiro, se perderes a tua vida? A graça de Deus vale mais do que a vida! Quem ganha perde e quem perde ganha. Quem perde, quem gasta a sua vida a favor dos outros, em nome de Deus, acolhe a eternidade, perdura para lá do tempo e da história. A comunhão com Deus agora tornar-se-á eterna.

5 – Na segunda Leitura, são Paulo, quase em modo de oração, desafia-nos: «Peço-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que vos ofereçais a vós mesmos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus, como culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, pela renovação espiritual da vossa mente, para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito».

Oferecer-nos a nós mesmos, tomar a própria cruz, para seguir Jesus, para sermos sacrifício vivo, para sermos sal da terra e luz do mundo. Estamos no mundo, comprometidos, mas com o olhar, o coração e a vida postos em Deus, procurando que, o que somos e o que fazemos, contribuam para um mundo mais justo, fraterno, solidário, mais em harmonia com a vontade de Deus para que todos os povos da terra formemos uma só família.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Jr 20, 7-9; Sl 62 (63); Rm 12, 1-2; Mt 16, 21-27.