Domingo XXIII do Tempo Comum – ano A – 6 de setembro de 2020

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Domingo XXIII do Tempo Comum – ano A – 6 de setembro de 2020

1 – Deus não desiste de nós. Nem de mim, nem de ti! Jesus não deixa Pedro para trás! Confia no amigo Judas até ao fim! Prepara os discípulos para depois da fuga, da negação e do medo! Aproxima-Se dos publicanos; de Mateus; dos pecadores; de Zaqueu; deixa-Se encontrar pela mulher de vida duvidosa; perdoa à mulher apanhada em adultério; compadece-se da multidão, qual rebanho sem pastor; atende a súplica de Jairo, e restitui a vida à sua filha; empatiza com viúva de Naím, pela perda do seu filho único, ressuscitando-o; chora com a família de Marta e de Maria, pela morte de Lázaro, fazendo ver como Deus quer a vida!

O mistério da Encarnação de Deus enquadra este sonho de harmonia e de amor, de fraternidade e comunhão. Deus, não apenas procura o homem, Seu natural interlocutor, que chamou à vida por amor e o criou à Sua imagem e semelhança, mas faz-Se homem, entra na história humana e no tempo, assumindo a condição humana. Em Jesus Cristo realiza-se um encontro sublime entre a humanidade e a divindade. O propósito é reconciliar os homens entre si e com Deus. A liberdade é um dom precioso. Deus criou-nos por amor. Deus confia em nós! Deus aposta em nós! Não nos cria para sermos um espelho Seu ou marionetas nas Suas mãos, mas para sermos interlocutores, com vontade própria, capazes de nos relacionarmos com Ele, num diálogo amoroso, capazes de Lhe responder e corresponder ao Seu amor!

A liberdade, que nos distingue dos outros seres vivos, permite-nos fazer escolhas, conscientes de que nem todos os caminhos nos aproximam dos outros. Para haver conflito basta haver duas pessoas, duas vontades, e mais que um caminho… e encruzilhadas que nos fazem embater uns nos outros, por não percebermos que em conjunto caminhamos melhor!

2 – O amor é o fator essencial e imprescindível no ser humano. Não é a biologia! Nem a vontade! Nem a liberdade! Sim, também são dimensões que interagem e que nos humanizam, permitindo a construção da sociedade. Contudo, o “cimento” ou a “cola” que une as diferentes dimensões na pessoa, mas também a relação entre pessoas, é o amor. É o amor que nos dá vida em abundância, nos identifica, nos salva, nos faz perceber a presença de Deus na nossa vida. Sem amor seríamos apenas uma caricatura, seríamos matéria condenada à ruína, ao desaparecimento! Seríamos máscaras, mas não pessoas!

O amor faz girar o mundo e a vida e a história. O drama não é o amor, ou o excesso de amor, mas a falta dele, ou uma visão distorcida do mesmo, ou o amor-ferido, ou instrumentalizado, ou o amor substituído! O poder, o dinheiro, os bens materiais são, na maioria das vezes, formas de preencher os vazios do coração, o sentido da vida. Com isto não se menospreza, nem de perto, a evolução científica e o desenvolvimento dos povos e das condições de vida das pessoas. Pelo contrário, também são expressão do amor, da sabedoria, da genialidade que visa, precisamente, melhorar o mundo, transformá-lo, ajudando as pessoas e os povos.

Temos consciência da necessidade do equilíbrio entre amar e sentir-se amado, para que não se extremem nem o egoísmo nem a idolatria! O ideal seria que (simplesmente) amássemos, fazendo com que o amor transbordasse, sem vazios a precisarem de ser preenchidos, mas a exigir a partilha do amor que nos habita! O resultado é que o amor se multiplicaria e ninguém sairia prejudicado! As nossas limitações e fragilidades levam-nos ao egoísmo, à prepotência, à disputa, querendo ser reconhecidos, amados, procurando mostrar que somos melhores do que os outros.

3 – A receita de Jesus é simples: amar! Amar sem limites, sem condições nem reservas! A Sua vontade é concretizar e traduzir a vontade do Pai. E a vontade do Pai é que todos se salvem e tenham a vida eterna! Porquanto, tenham vida em abundância, concretização, antecipação, preparação e início da eternidade! Daí a insistência. Amai também os inimigos. Dai a outra face. Perdoai, sempre, 70 vezes 7. Perdoai porque também o vosso Pai celeste vos perdoa. O principal limite ao amor é o rancor, a inveja, o ciúme, a incapacidade de reconhecer e aceitar as imperfeições e os pecados, próprios e alheios. O que mata o amor é o egoísmo.

Com a democratização das novelas e sua realeza, também a facilidade de desistir do outro, seguir um caminho contrário, trocar rapidamente uma por outra pessoa, quantas vezes for necessário, com ou sem motivos, não perder tempo a cultivar o amor, as relações, a construir um projeto comum, contornando os problemas, varrendo-os para debaixo do tapete.

As palavras de Jesus são clarividentes: «Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganho o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja; e se também não der ouvidos à Igreja, considera-o como um pagão ou um publicano».

Desistir? Só depois de fazer tudo. Paciência e insistência. Insistir uma e outra vez. Esperar. Agir com ponderação, descrição e caridade. Este é outro tipo de frontalidade. Há aquela frontalidade que explode, expõe o outro, alto e bom som para que todos vejam, para que todos ouçam, para que todos saibam, E há a frontalidade de Jesus, usando de delicadeza, de sabedoria e de paciência. Correção fraterna sem espalhafato. A sós. Se não resultar dessa forma, então, aí sim, pede ajuda a outras pessoas, que contribuam para clarificar os desvios. Se não se resolver, não desistas, insiste, pede a colaboração da Igreja. Conseguimos ouvir a oração de Jesus: peço-Te, ó Pai, por estes e pelos que hão de vir, para que sejam um, para que nenhum se perca!

4 – O Senhor coloca Ezequiel como sentinela. A missão da sentinela é vigiar e evitar que o perigo se aproxime da povoação e, se se aproximar, colocar de atalaia as suas gentes para se defenderem. Aqui o sentido é mais abrangente ou aponta noutra direção, é uma sentinela dentro das muralhas.

O Profeta está incumbido de comunicar a palavra de Deus e de avisar os que se desviam do caminho. Ser-lhe-ão pedidas contas da morte do ímpio, se não cumprir com o desígnio de o corrigir. «Eu pedir-te-ei contas da sua morte. Se tu, porém, avisares o ímpio, para que se converta do seu caminho, e ele não se converter, morrerá nos seus pecados, mas tu salvarás a tua vida». Pode, ele e nós, não conseguir que o ímpio se converta, mas tem a obrigação de o avisar, procurando que se converta.

Somos responsáveis uns pelos outros. Pertencemo-nos, pois somos filhos do mesmo Pai. A escusa de Caim é antinatural: acaso sou guarda do meu irmão? Deus responsabiliza-nos pelos outros. A resposta à Palavra e ao Amor de Deus implica a resposta-responsabilidade para com todos, especialmente por aqueles que se desviaram do caminho e pelos que se encontram mais frágeis.

5 – O amor gera pontes! O egoísmo constrói muros! O amor dialoga. O egoísmo inventa obstáculos. O amor faz-nos irmãos. O egoísmo torna-nos adversários e inimigos. O amor partilha a vida e a alegria, amacia o sofrimento e divide a tristeza. O egoísmo isola e afasta, faz ruído na alegria e gera revolta, ódio e amargura no sofrimento.

São Paulo, na segunda leitura, sublinha a nossa dívida aos outros. “Não devais a ninguém coisa alguma, a não ser o amor de uns para com os outros, pois, quem ama o próximo, cumpre a lei. De facto, os mandamentos que dizem: «Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás», e todos os outros mandamentos, resumem-se nestas palavras: «Amarás ao próximo como a ti mesmo». A caridade não faz mal ao próximo. A caridade é o pleno cumprimento da lei”.

O Apóstolo desafia-nos a viver pela positiva, pelo amor. A lei prepara-nos para amar e previne-nos dos tropeços. A lógica do amor, como entrega e serviço, leva a lei à plenitude. “Ama e faz o que quiseres”, diz-nos, na mesma linha, Santo Agostinho, pois quem ama fará muito mais do que as leis exigem e fá-lo-á com alegria, sem se sentir na obrigação de tal, mas expressão natural das suas convicções e da sua adesão a Jesus Cristo.

6 – Para o bem e para o mal, estamos no mesmo barco! Não é uma certeza apenas deste tempo pandémico, é a realidade de sempre. Contribuindo para o bem, todos saem a ganhar e todos são beneficiados, não apenas os contemporâneos mas também os vindouros, e também nós beneficiamos da inteligência e do engenho dos antepassados. O mal perdura no tempo e, mais tarde ou mais cedo, afeta-nos a todos, ainda que alguns consigam passar entre as pingas da chuva sem se molhar! Mas é uma aparência que acabará por prejudicar a todos. Como acentuava o Papa, a 27 de março, era impossível manter-nos sãos num mundo doente.

O sangue de Abel cai sobre as nossas cabeças. Deus pedir-nos-á contas dos nossos irmãos que sofrem e/ou que ficam para trás. Os ricos avarentos sofrem duma ansiedade que os vai matando interiormente; o medo de abrirem as portas a Lázaro fistulado cria-lhes insegurança; têm que ficar prisioneiros nos seus palácios, sem ar puro para respirar. Como canta Mafalda Veiga, olham para o lado para não ver o que lhes vai suceder, mas não conseguem deixar de ver, de sentir, de ouvir a voz lazarenta de quem está do lado de fora.

Somos Um, não anulando a identidade de cada pessoa, mas para que todos vivam na comum união, uns com os outros e com Deus. Também a correção fraterna visa esta comunhão e interdependência, pois o pecado, o egoísmo, a inveja e os conflitos minam os laços fraternos e amigáveis. «Tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu; e tudo o que desligardes na terra será desligado no Céu». É um mandato que nos compromete. «Se dois de vós se unirem na terra para pedirem qualquer coisa, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos Céus. Na verdade, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles».

Jesus relembra-nos que a oração nos faz irmãos, pois dirigimo-nos a um Pai comum e daí também a certeza que não faz sentido pedir apenas para nós. A começar a Eucaristia, rezamos: “Senhor nosso Deus, que nos enviastes o Salvador e nos fizestes vossos filhos adotivos, atendei com paternal bondade as nossas súplicas e concedei que, pela nossa fé em Cristo, alcancemos a verdadeira liberdade e a herança eterna”. Conscientes da nossa súplica, procuremos agir em conformidade, para que a oração se torne visível na caridade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ez 33, 7-9; Sl 94 (95); Rom 13, 8-10; 18, 15-20.