Domingo XXIV do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XXIV do Tempo Comum – B – 2021

1 – «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».

O discípulo de Jesus sabe o que o espera e as condições para O seguir. Cada tempo e cada época da história, as circunstâncias espácio-temporais, as dimensões pessoais e familiares, tudo influi em nós. Porém, com mais ou menos contingências, com estas ou outras circunstâncias, Jesus deixa claro que não seremos discípulos de uma maneira qualquer, ou a qualquer preço, nem seremos nós a traçar as coordenadas do seguimento. Segui-l’O implica amá-l’O, ir no Seu encalço, assumir a mesma postura de gastar, de dar, de perder a vida para que os outros tenham vida em abundância.

Ele ama sem reservas, sem calculismos nem condicionais. Ama, entrega-Se, dá-Se por inteiro. Por mim e por ti. Por todos. Até ao fim. Não guarda nada para Si. Dá tudo. Pois tudo recebeu do Pai. E também não nos pede nada que não seja tudo. Segui-l’O e colocar reservas ou condições não faz de nós discípulos, fará de nós mercenários, interesseiros, conhecidos. E conhecidos não são amigos. Dir-nos-á Jesus, já não vos chamo servos mas amigos, porque os servos não sabem o que faz o seu senhor, mas Eu disse-vos tudo o que ouvi a Meu Pai.

Reciprocamente, seremos Seus amigos se fizermos o que Ele manda, se amarmos do jeito que Ele ama e Se gasta por nós.

2 – Um pouco antes, Jesus pergunta aos Seus discípulos: «Quem dizem os homens que Eu sou?». É uma espécie de sondagem, aferindo a opinião pública, a opinião geral, sem concretizar. Os discípulos não se compromete., mas lá vão dizendo: «Uns dizem João Baptista; outros, Elias; e outros, um dos profetas».

Nada mal! As opiniões até que são bastante favoráveis! Ou talvez os discípulos filtrem e só revelem as opiniões positivas. Não vale a pena incomodar o Mestre com coisas menores!

O real interesse de Jesus revela-se a seguir. O que importa não é o que se diz (por aí), mas o que dizem os discípulos ou o que estão preparados para dizer. «E vós, quem dizeis que Eu sou?».

A pergunta também nos é dirigida. Quem é Jesus para nós? Que importância tem na nossa vida? De que modo Ele influencia as nossas escolhas? Se tivermos que O apresentar, o que diremos d’Ele? Como O mostraremos?

A resposta de Pedro também nos engloba: «Tu és o Messias».

Reconhecer que Jesus é o Messias é reconhecer que estamos perante o Ungido, o Enviado de Deus, o Filho de Deus. E se estamos perante o Filho de Deus, reconhecendo-O como tal, então temos de prestar muita atenção ao que nos diz, pois as Suas palavras vêm do Ceu; temos de perceber os Seus desígnios a nosso respeito, pois chegam-nos do Pai; teremos que escutar e pôr em prática os Seus mandamentos, pois é isso que nos conduz à eternidade.

3 – «Quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á». A confissão de Pedro, em nome dos discípulos, e em nosso nome, e a revelação de Jesus como Messias, não é algo de banal e corriqueiro. Implica-nos, leva a um compromisso sério, envolve critérios, exigências, condições. Usando o mesmo vocábulo, envolve um seguimento sem condições e sem reservas, imitando-O.

Jesus diz-lhe claramente as implicações da Sua missão e da Sua vida. O Filho do homem vai sofrer muito, vai ser rejeitado, será morto. Ressuscitará ao terceiro dia.

Se nos deram notícias boas, ainda que mil, e uma notícia má, fixar-nos-emos apenas nesta última. Já não pensamos em todo o bem que nos é anunciado. Jesus anuncia a Sua morte e a Sua ressurreição. Os discípulos fixam-se nos contratempos que advirão. Pedro toma uma vez mais a dianteira, chama Jesus à parte e repreende-O, contestando-O. Então Jesus responde-lhe, mas para que todos os discípulos escutem bem: «Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens».

Depois, não apenas os discípulos, mas a multidão, para lhes dizer: quem quiser ser Meu discípulo renuncie a si mesmo! Não se resguarde para si, gaste a vida. «Quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á».

4 – A primeira leitura serve-nos um dos cânticos do Servo de Iahveh, antecipando no tempo, como promessa a cumprir-se e assente na fidelidade de Deus, o que está para acontecer. A profecia torna-se-á vível e concreta em Jesus Cristo, o Profeta por excelência, o verdadeiro e definitivo Servo de Iahveh.

Diz-nos o profeta Isaías: “O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam”.

Ressalva-se desde logo a coragem, revestida de fé e da armadura da confiança em Deus, pois nem a tormenta faz esquecer Aquele que vem em nosso socorro. “O Senhor Deus veio em meu auxílio e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra e sei que não ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?”.

Se Deus está por nós, questionar-se-á São Paulo, quem estará contra nós? Nada nos separa do amor de Deus, nem a espada, nem a perseguição, nem a ofensa, nem a morte. Deus prevalece apesar de todo o mal e das tempestades mais furibundas.

5 – Quantas vezes nos sentimos náufragos, em mar revolto, perdidos, desanimados e sem esperança? E no entanto, Deus garante-nos auxílio. A dificuldade é deixarmos que prevaleça o nosso medo, deixarmos que se apague em nós a luz da fé. Porque Deus não falta ao Seu juramento, Deus não Se afasta de nós. Cabe-nos orar, escutar o nosso coração, procurar os sinais da Sua presença no mundo e em nós.

O salmista sanciona, em forma de louvor e ação de graças, a certeza que se vislumbra em Isaías. “Amo o Senhor, porque ouviu a voz da minha súplica. Ele me atendeu, no dia em que O invoquei. / Apertaram-me os laços da morte, caíram sobre mim as angústias do além, vi-me na aflição e na dor. Então invoquei o Senhor: «Senhor, salvai a minha alma». / Justo e compassivo é o Senhor, o nosso Deus é misericordioso. O Senhor guarda os simples: estava sem forças e o Senhor salvou-me. / Livrou da morte a minha alma, das lágrimas os meus olhos, da queda os meus pés. Andarei na presença do Senhor, sobre a terra dos vivos”.

Quando nos faltarem as forças, deixemos que Deus seja o nosso amparo e proteção, a nossa luz e salvação. Rezemos-Lhe confiantes. Ele não nos deixa na mão, sozinhos e abandonados à nossa sorte. Ele inundará o nosso coração e a nossa vida com a Sua alegria, a Sua paz e o Seu amor.

6 – “Deus, Criador e Senhor de todas as coisas, lançai sobre nós o vosso olhar; e para sentirmos em nós os efeitos do vosso amor, dai-nos a graça de Vos servirmos com todo o coração”. A oração, com que iniciamos a Eucaristia, sintoniza-nos, tal como o Salmo e como sempre, com a Palavra de Deus. Invocamos a proteção de Deus, o Seu amor em nós, para O servirmos de todo o coração. E como podemos servi-l’O? Na dúvida, atentemos à postura de Jesus, para o Seu proceder e para as Suas palavras.

Segui-l’O implica gastar-nos, gastar a nossa vida a favor dos outros. Não é uma questão de palavras ou propósitos, mas é compromisso que nos envolve, que nos faz meter mãos às obras. Podemos até errar, ou ajudar quem não quer ajuda ou nem “precisa”, mas não está nos nossos genes, de cristãos, cruzar os braços e deixar a outros a transformação do mundo.

O Apóstolo São Tiago é taxativo. A fé implica amor, dedicação, serviço, compaixão para com todos e especialmente para com os pobres e os pecadores, pois é esse o mistério de Cristo que veio para servir e dar a vida por todos, fazendo-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza e com o Seu amor. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. Se desprezardes um só destes meus irmãos mais pequeninos é a Mim que desprezais.

“De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação?”

A tentação de espiritualizar a fé sempre existiu na Igreja. A acentuação em Maria, excluindo a Marta, a oração contra a ação, a fé contra o compromisso social. Ora, se formos honestos e olharmos para Jesus, vemos com facilidade que a oração nos une a Deus e aos irmãos, a fé leva-nos a perder a vida a favor dos outros. A fé, como o amor, descentra-nos e faz-nos dar a primazia ao outro.

O Apóstolo continua a dar exemplos concretos, caso nos fizéssemos de desentendidos. “Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhes disser: «Ide em paz. Aquecei-vos bem e saciai-vos», sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta. Mas dirá alguém: «Tu tens a fé e eu tenho as obras». Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé”.

É a fé que nos liga a Deus, que nos obtém de Deus a salvação, mas esta fé, a de Deus, a de Cristo na Sua Igreja, reveste-se de caridade, de serviço e de cuidado especialmente para com os mais pequenos.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Is 50, 5-9a; Sl 114 (115); Tg 2, 14-18; Mc 8, 27-35.