Domingo XXIX do Tempo Comum – B – 2021

Watch Now

Download

Domingo XXIX do Tempo Comum – B – 2021

1 – A vocação primordial do cristão implica o seguimento de Jesus Cristo. Ao sermos batizados somos introduzidos na vida divina, enxertados em Cristo, inseridos no Seu corpo que é a Igreja, membros desta comunidade peregrina, convocada e reunida pela Santíssima Trindade, para nos configurarmos ao Evangelho da Caridade e da alegria.

É conhecida a expressão do Vaticano II, na Lumen Gentium (capítulo 5), sobre a vocação universal à santidade. É a mesma vocação: seguir, acolher, imitar e transparecer Jesus. Na verdade, o referencial é a Santíssima Trindade, Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, mas é no Filho, Jesus, que vemos Deus. Ninguém vai ao Pai se não por Mim. Eu e o Pai somos Um. Quem Me vê, vê o Pai. Vou enviar-vos o Espírito Santo, Ele vos revelará toda a verdade. É o Espírito que concebe Jesus no seio de Maria, é o Espírito que nos dá Jesus nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia. Como Jesus, também o Espírito Santo fala, inspira, manifesta o que viu e ouviu ao Pai.

Jesus é o Rosto e a Presença de Deus no tempo, assumindo a nossa carne e a nossa fragilidade. Depois da Sua morte e ressurreição continua presente na Igreja, onde dois ou três se reúnem em Seu nome, por ação do Espírito Santo. Olhamos para Ele, contemplamo-l’O, tornamo-nos testemunhas do que vimos e ouvimos, decalcando na nossa vida a Sua postura: amar, servir, perdoar, cuidar, acolher, incluir, preferir os mais desfavorecidos, gastar a vida a favor dos outros, abraçar, abençoar, curar, salvar. É e missão de Jesus Cristo, a missão mesma da Igreja, a nossa missão como Seus seguidores, membros do Seu corpo, como discípulos missionários.

2 – Nos domingos precedentes, fomos vendo como os discípulos levaram tempo, não apenas a compreender a mensagem de Jesus, mas a acolhê-la. Víamos como Pedro contestou Jesus por ter mostrado um caminho duro, controverso, de fracasso (aparente), o caminho que levaria à Sua morte, ainda que nos fizesse vislumbrar, como promessa e esperança firme, a Sua ressurreição. O seguimento far-se-ia na expectativa do sucesso e da bonança. Jesus acentua a inevitabilidade da Cruz e do sofrimento, por amor à verdade e à vida.

Pelo caminho, os discípulos discutem lugares no Reino de Deus e Jesus volta a dizer-lhe que quem quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos. Veem alguém a expulsar demónios em nome de Jesus e querem impedi-lo, pois não fazia parte do grupo restrito de discípulos. Parece que querem ser os únicos beneficiários dos dons de Deus, como se a expansão e universalidade desses dons retirasse alguma coisa ao grupo. Um pouco mais e Pedro lembra a Jesus que deixaram tudo para O seguir, questionando pela recompensa que terão. Fica novamente a sensação que a preocupação dos discípulos é interesseira, ainda que Jesus lhes garanta a recompensa temporal e histórica, sem excluir também as perseguições.

Hoje, os discípulos voltam à carga. Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximam-se de Jesus e pedem-Lhe: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». Este pedido mostra o interesse e a imaturidade ou a impreparação dos discípulos e foi assumido como algo escandaloso, ao ponto do evangelista Mateus referir que foi a Mãe deles, de Tiago e João, e não os próprios a fazerem o pedido a Jesus. Os outros dez apóstolos não querem ficar atrás e murmuram porque aqueles dois se anteciparam. A resposta (paciente) de Jesus é clarificadora: «Sabeis que os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. Não deve ser assim entre vós: quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos; porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».

3 – O poder, para o cristão, é servir, amar, dar a vida ao jeito de Jesus. Não há outra alternativa ou uma fuga possível. Seguir Jesus implica assumir o caminho da Cruz, não numa atitude masoquista, mas como expressão do amor sem reservas ou condições. Se a Ele o rejeitaram, perseguiram e mataram, os discípulos, os Seus seguidores, não esperem que tudo seja simples, fácil, benéfico!

Quem quiser seguir-Me renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Quem guardar a sua vida perdê-la-á, mas quem perder a vida por minha causa e do Evangelho ganhá-la-á.

O Profeta Isaías antecipa e faz ver o sofrimento aliado à opção de amar a Deus, servindo-O de todo o coração. “Aprouve ao Senhor esmagar o seu servo pelo sofrimento. Mas, se oferecer a sua vida como sacrifício de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado na sua sabedoria. O justo, meu servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades”.

Entenda-se, Deus não quer o sofrimento ou a morte do pecador ou dos Seus servos, mas não nos ilude com promessas vãs, amorfas, esvaziadas de esforço, dedicação ou de sacrifício. Temos essa consciência, as nossas opções pressupõem renúncias e sacrifícios. Não chegamos a lado nenhum sem esforço. Ou, chegando a algum lado, numa vida “herdada”, não saberemos saborear, apreciar e agradecer a vida, o que somos ou o que temos.

4 – O paradigma é Jesus Cristo, que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos. Ele gasta-Se, esgota-Se, entrega-Se, por inteiro, sem reservas nem condições. Veio para que tenhamos vida e vida em abundância. Não guarda nada para Si, dá-nos tudo, dá-Se totalmente.

Na Sua morte, Ele assume o sofrimento, o limite e a finitude do ser humano. Na Sua ressurreição, Ele coloca a nossa natureza humana à direita do Pai, de onde nos atrai, enviando-nos o Seu Espírito de Amor. Como refere a segunda leitura, Ele é o “Sumo sacerdote que penetrou os Céus. Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, exceto no pecado. Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno”.

Vivamos confiantes e agradecidos, Ele continua a dar-se-nos nos Sacramentos. Jesus não é uma personagem do passado, uma figura histórica para estudar e recordar, Ele está vivo no meio de nós, na Igreja que é o Seu corpo, sob ação do Espírito Santo.

5 – Nem todos os dias são iguais, mas em todos os dias temos o auxílio do Senhor, podemos contar com o Seu amor e a Sua ação em nós e no mundo, não para fazer a minha ou a tua vontade, mas para concretizar a Sua santa vontade.

Nas dúvidas e hesitações, nos momentos de dor e treva, rezemos com mais veemência: “Deus eterno e omnipotente, dai-nos a graça de consagrarmos sempre ao vosso serviço a dedicação da nossa vontade e a sinceridade do nosso coração”.

A oração sintoniza-nos com o coração de Deus, dilatando o nosso, para desejarmos o que Ele deseja, para sonharmos e vivermos segundo os desígnios da Sua misericórdia e benevolência. A Palavra de Deus, em palavras humanas, mas inspiradas pelo Seu espírito e acolhidas em comunidade, ajudam-nos a discernir a Sua vontade. Com efeito, “a palavra do Senhor é reta, da fidelidade nascem as suas obras. Ele ama a justiça e a retidão: a terra está cheia da bondade do Senhor. / Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas e os alimentar no tempo da fome. / A nossa alma espera o Senhor: Ele é o nosso amparo e protetor. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor”.

O salmista transmite-nos confiança em Deus, mas igualmente nos ajuda a rezar a bondade de Deus, a efetivar na nossa vida e no mundo que habitamos e do qual somos cuidadores.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Is 53, 10-11; Sl 32 (33); Hebr 4, 14-16; Mc 10, 35-45.