Domingo XXV do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XXV do Tempo Comum – B – 2021

1 – «Que discutíeis no caminho?».

A caminho de Cesareia de Filipe, Jesus questiona os Seus discípulos sobre a Sua identidade e testemunho que d’Ele darão: E vós quem dizeis que Eu sou? Logo depois da confissão de Pedro – Tu és o Messias – Jesus diz-lhes: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Pedro é o primeiro acusar o toque e contesta Jesus. Porém, também os outros discípulos não compreendem as Suas palavras.

Enquanto caminham, os discípulos discutem as palavras de Jesus. Não compreendem que estejam a seguir alguém que vai ser perseguido, rejeitado e morto. Mas não apenas isso. Se há reino e o fundador do reino vai ser morto, há que assegurar a sucessão. Os discípulos mal digeriram as más notícias e já discutem quem é o maior, quem estará melhor colocado para Lhe suceder.

Enquanto caminham, Jesus está atento, escuta, mas deixa que os discípulos discutam em surdina. Quando já estão em casa, em Cafarnaum, Jesus volta-se e interroga-os: «Que discutíeis no caminho?» Claro que os discípulos sentem o incómodo do questionamento, porque a temática que discutiam deixa-os mal na fotografia.

Num ambiente mais familiar, Jesus senta-Se – atitude de quem ensina – e diz-lhes: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos».

2 – Os discípulos, até esta jornada, tinham feito um longo caminho, vendo e ouvindo o Mestre, aprendendo, visualizando a presença de Deus em Jesus, pela sabedoria com que falava e pelos prodígios que realizava. Mas como outros judeus, a esperança num Messias tinha, até agora, um carácter mais político. O messianismo davídico estava bem entranhado no povo da Aliança.

Subjugados ao poder romano, a esperança é que surgisse um descendente de David e tivesse a capacidade e o poder para devolver o esplendor com que David tinha dotado o povo eleito. David reunificou os reinos do Norte (reino de Israel) e o reino do Sul (reino de Judá) e fortificou as defesas contra eventuais incursões de povos vizinhos. Foi um tempo de luta, de conquista e, finalmente, de paz e harmonia.

Os discípulos tinham a expetativa que as promessas se cumprissem em Jesus e Ele pudesse ser o novo David. Com Jesus, o povo eleito voltaria a ser respeitado e temido pelas outras nações. Com as revelações de Jesus, acerca dos tempos que vêm pela frente, e do que vai Lhe suceder, os discípulos levam um balde de água fria, um verdadeiro murro no estômago. Colocamos a nossa confiança neste homem, dirão eles, estamos em boa posição para beneficiarmos do Seu estatuto, já que somos os melhores amigos, e afinal Ele vai ser rejeitado e vai ser morto. Nem ouviram que três dias depois ressuscitaria!

Há uma réstia de esperança! Pode ser que antes de ser morto, Ele instaure o reino e possam suceder-Lhe. Novo engano que Jesus desmistifica: quem quiser ser o primeiro seja último e o servo de todos, pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção dos homens. Como exemplo concreto, Jesus toma uma criança, coloca-a no meio, abraça-a e remata o assunto: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou». O reino de Deus é dos pequeninos! Bem-aventurados os pobres… porque deles é o Reino dos Céus!

3 – As pessoas honestas, trabalhadoras, dedicadas, sérias, encontram obstáculos duros pelo caminho, não tanto pelo esforço e sacrifício, mas pela inveja, ciúme e irritação que, sem querer, provocam naquelas que fazem pouco, falam muito, e procuram fazer as coisas apenas e só para ficarem bem vistas.

Jesus tem consciência que o Seu proceder O desembocará em rejeição e morte. O mesmo sucederá com os discípulos que O imitarem. Na primeira leitura, vemos como autor sagrado torna clarividente a armação dos ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários. Provemo-lo com ultrajes e torturas, para conhecermos a sua mansidão e apreciarmos a sua paciência. Condenemo-lo à morte infame, porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo».

Encontramos muitas situações destas, pessoas que se sentem incomodadas pelo bem que os outros fazem e, por conseguinte, lhes armam ciladas, só por inveja. Perante o bem que os outros fazem deveríamos ficar felizes e agradecidos, e louvar a Deus por lhes ter dado dons e talentos, e procurarmos proceder de modo semelhante, não por rivalidade, mas por caridade. Como nos recorda São Paulo, não devais nada a ninguém a não ser a caridade. Como diz São Paulo aos romanos: “Rivalizai uns com os outros na estima recíproca”.

4 – Certos de seguirmos as Palavras do Mestre e de O imitarmos na mesmo postura de serviço, de preferência pelos mais pequenos, de gastar a vida em prol do bem dos outros, não desanimemos perante as murmurações e descomposturas. Perante as armadilhas que Lhe colocam, Jesus procura responder com a vontade do Pai, amando e servindo, dando a cara, concretizando o amor na delicadeza para com os mais pobres.

O Salmo faz-nos confiar em Deus: “Senhor, salvai-me pelo vosso nome… Senhor, ouvi a minha oração, atendei às palavras da minha boca. / Levantaram-se contra mim os arrogantes e os violentos atentaram contra a minha vida. Não têm a Deus na sua presença. / Deus vem em meu auxílio, o Senhor sustenta a minha vida. De bom grado oferecerei sacrifícios, cantarei a glória do vosso nome, Senhor”.

A súplica é acompanhada pela certeza de que Deus não nos deixa sem resposta. Por vezes parece prevalecer a injúria e a injustiça, a maledicência e a vitória da iniquidade, mas com persistência, fé e oração, Deus fará com que sobrevenha a paz e o compromisso renovado de prosseguir no bem, na verdade, no serviço.

Com efeito, é isso que pedimos na oração: “Senhor, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna”. Que em nós prevaleça a plenitude da Lei do Senhor: amá-l’O sobre todas as coisas no próximo.

5 – Podemos correr o risco de espiritualizar a fé, entregando a responsabilidade toda a Deus.

Rezamos e cruzamos os braços.

E o mesmo dizemos aos outros, que rezem e não se preocupem que Deus agirá e mudará corações e estruturas. Claro que devemos viver e agir confiantes que Deus é Pai, nos ama como Mãe, e é omnipotente. Mas como os pais não se substituem aos filhos, também Deus não nos substitui e não nos manipula como marionetas. A fé não nos espiritualiza, até porque Deus encarnou, em Jesus Cristo assumiu um corpo, a nossa carne, a nossa humanidade.

O mistério da encarnação leva-nos a contemplar a presença de Deus no meio de nós, não numa figura de luz, invisível, ou só visível aos místicos, mas carne da nossa carne. Podemos assim ver como Deus age. Durante a Sua vida, Jesus faz-Se próximo de todos, especialmente dos mais frágeis, dos pobres, dos doentes (leprosos, cegos, coxos, surdos, mudos), amigo de pecadores e publicanos, de mulheres de fama duvidosa, de pessoas excluídas, das crianças. A minha fé não é só minha, ou então tem pouco valor, pois está limitada ao que eu sou, é uma fé condenada a estar prisioneira do meu ser e a morrer comigo. A minha fé, a tua fé, a nossa fé é a de Cristo e a da Igreja, é a que me liga aos outros.

São Tiago, na sua epístola, que nos tem sido servida como segunda leitura nos últimos domingos, faz-nos ver que a fé sem obras é morta. A nossa proximidade a Cristo, a nossa fé, o nosso amor por Ele, leva-nos a agir do mesmo modo, a não fazer aceção de pessoas, privilegiando os mais simples e desfavorecidos.

6 – Por outro lado, se nos centrarmos apenas em nós e nas obras que fazemos, sem esta ligação espiritual a Deus e, por Ele, aos outros, acabaremos por nos perdermos. Há muitos que se fiarem apenas em si mesmos, na ciência, na tecnologia, nos seus esforços, achando que transformariam o mundo. Podem ter contribuído para o desenvolvimento tecnológico e científico, mas que isso tenha significado pessoas mais felizes e povos mais solidários, já é muito difícil de perceber, pois também o desenvolvimento, sem mais, levou e continua a levar à corrupção, ao cinismo, a desigualdades sociais, cada vez mais acentuadas, à exclusão, à ganância desmedida.

Diz-nos hoje São Tiago: “Onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações”. Centrados em nós, olhando apenas para o chão, esquecemo-nos das nossas origens, esquecemos os outros. Prossegue o Apóstolo: “A sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz”. As boas obras, desinteressadas, em dinâmica de fé e de amor a Deus, criam harmonia e paz.

“De onde vêm as guerras? De onde procedem os conflitos entre vós? Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras”.

Como minorar os nossos egoísmos e contendas? Pela oração, deixando que a graça de Deus nos transforme. “Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões”. A oração une-nos a Deus, compromete-nos com todos. A oração não visa apenas a nossa satisfação, pelo contrário, universaliza a nossa comunhão e preocupação com todos.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Sab 2, 12. 17-20; Sl 53 (54); Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.