Domingo XXV do Tempo Comum – ano A – 2023

Watch Now

Download

Domingo XXV do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Formatamos a nossa vida com tempos, lugares, encontros, agenda, horários, méritos, recompensa, justiça, retribuição. Deus pauta a Sua vida pelo amor, pela misericórdia e perdão, pela bênção e reconciliação. Como pessoas precisamos de limites, mesmo quando os contestamos! Ou, dito de outra forma, podemos não querer ter limites desde que eles existam para os outros. As leis, com as suas exigências e punições, ajudam a equilibrar egoísmos, distrações, indiferença.

Deus não tem nem fronteiras nem limites. A todos chamou à vida, criando; a todos chama e envia os que escutam a Sua voz e se predispõem a segui-l’O. Sem condições prévias ou reservas futuras!

Coloquemo-nos dentro da parábola. Jesus conta a parábola aos discípulos, a nós, e, portanto, somos espetadores, mas também somos chamados, também estamos ociosos na praça ou a trabalhar na vinha, parte do dia, umas horas ou de sol a sol. «O reino dos Céus pode comparar-se a um pro­prie­tário, que saiu muito cedo a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a sua vinha».

O proprietário não deixa de procurar e convidar trabalhadores para a sua vinha. Sai a meio da manhã, ao meio dia e às três horas da tarde, e ao cair da tarde. São sempre horas para chamar, são sempre horas para acolher o convite. Todas as horas são favoráveis aos que aceitam o chamamento. Na vinha deste senhor e do Senhor Deus há trabalho para todos, independentemente da hora da chegada, das circunstâncias, das origens, só ficamos ociosos na praça se fizermos ouvidos de mercador!

2 – Nesta como em outras parábolas, pudemos servir-nos da interpretação de são João Paulo II.

Numa leitura imediata, a parábola apresenta-nos pessoas distintas. Mas, podemos ser apenas nós, eu e tu, em momentos diferentes da nossa vida. Ao longo do tempo, podemos passar por situações diversas. Ora disponíveis para escutar a voz do Senhor e Lhe responder favoravelmente, prontificando-nos a trabalhar na Sua vinha, o mundo; ora, desiludidos ou desencantados, deixamos que outros se comprometam; ora, indiferentes, espreguiçando, adiando, esperando que Deus aja por outras vias.

O foco, porém, está posto n’Aquele que chama, que insiste, regressa à nossa praça, desinquieta-nos, provoca-nos, envia-nos a trabalhar na sua vida. É um foco partilhado, se escutarmos a Sua voz e O seguirmos, cabe-nos ser como os rogadores ou capatazes, e chamar outros para a vinha do Senhor. O trabalho não se esgota, não nos estorvamos, todos são necessários, ninguém está a mais, somos sempre poucos quando se trata de fazer o bem.

3 – Que esperamos de Deus?

A parábola questiona abertamente uma imagem que ainda hoje tem muitos adeptos e com respaldo na Sagrada Escritura: Deus dará a cada um segundo as suas obras! Deus distribuidor de prémios e recompensas. Contudo, a parábola parece clara e escandalosamente desmentir esta imagem de Deus ou, pelo menos, situar a recompensa num plano que foge à nossa justiça muito humana e muito restrita.

O proprietário ajustou um denário. Um dia de trabalho. O denário é o reino de Deus. Nada menos! Visto deste prisma, Deus não pode dar-nos bocados do reino, só pode dar-Se por inteiro e oferecer-nos o Seu reino. Claro que a construção do reino e a sua justiça envolve, pressupõe e exige o nosso empenho e o nosso trabalho. Mas não nos cabe definir a paga que Deus nos há de dar ou compará-la aos méritos dos outros. Só Deus conhece bem o coração, o interior de cada um de nós. A recompensa é o reino, é o amor de Deus. O reino não é divisível, o amor não se divide em partes, Deus não se encerra em pequenos pedaços. O reino é um todo, o amor dá-se inteiramente, partilha-se e quanto mais se dá mais sobeja. O amor dos pais não é divisível pelo número dos filhos e não é prémio ou consequência do merecimento. Não amo porque a outra pessoa merece, amo antes dela merecer e para além de qualquer mérito.

A salvação é dom gratuito. Deus ama-nos. Antes de O reconhecermos e antes de Lhe respondermos do mesmo jeito, e continua a amar-nos, por inteiro, mesmo quando nos distanciamos, Lhe voltamos costas, pois como Pai / Mãe não renega o Seu amor. Se assim fosse, o amor era algo de provisório, condicional e condicionado ao mérito, acabaria logo que o outro não merecesse! O amor não se joga nesse campo. Amor que é amor, não está (imediatamente) dependente do outro, mas deriva de mim que amo. Deus ama. Ponto. Ama antes e continua a amar depois, estejamos na praça ou na vinha! Podemos aceitar ou não o Seu chamamento, mas Ele continua a amar-nos, a chamar-nos e a dar-Se por inteiro. É a Sua paga: amar sem medida.

4 – «Estes últimos trabalharam só uma hora e deste-lhes a mesma paga que a nós, que suportámos o peso do dia e o calor». É um questionamento pertinente. No plano concreto do trabalho, não é o mesmo trabalhar uma hora ou o dia inteiro.

Sobressai a justiça pelo pagamento do trabalho realizado: pagar-vos-ei o que for justo. Aos da primeira hora, um denário, aos das horas seguintes o dono da vinha promete pagar o que for justo. No final, paga a todos por igual! Foi injusto com alguns deles? Numa primeira leitura todos receberam por igual, os que trabalharam todo o dia não foram prejudicados, receberam o que era justo. Os seguintes, recebendo o mesmo por menos horas de trabalho, foram beneficiados. No nosso critério, a justiça levaria a que os que trabalharam menos horas recebessem menos, mas não é isso que acontece. Não há referência à produtividade, pois nesse caso até poderia acontecer que alguém, trabalhando menos horas, tivessem uma maior produtividade.

Os primeiros receberam o que foi ajustado, um denário, os demais receberam o que resultou da apreciação, do coração, do proprietário e da sua generosidade. Compensa então trabalhar apenas uma hora ao invés do dia todo? Não se trata de fazer contas de somar ou dividir, de subtrair ou multiplicar. O reino de Deus não se rege pela contabilidade. Deus não tem ministro das Finanças e parece que Jesus não é bom de contas, pois soma sempre, multiplica, centuplica, exagera até ao absurdo quando se trata de dar, de perdoar, de usar de misericórdia.

Como vimos antes, Deus não Se pode dar em pedaços, dá-Se inteiramente. Estamos sempre a tempo de acolher o Seu chamamento.

5 – Querer o que Deus quer, procurar agir ao jeito de Deus, é o propósito do cristão, cuja referência, centro, enquadramento, ponto de partida é Jesus Cristo.

O apóstolo são Paulo é clarificador: «Cristo será glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra. Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro». Como víamos há oito dias, quer vivamos quer morramos, vivamos e morramos em nome de Jesus, procurando, na fidelidade aos Seus mandamentos, imitá-l’O na entrega caritativa.

São Paulo situa-se na terra com o olhar posto no Céu. «Desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor; mas, se viver neste corpo mortal me permite um trabalho útil, não sei o que escolher». O importante e decisivo é realizar a vontade de Deus, anunciar o Evangelho, atrair a todos para Cristo.

É essa a nossa oração inicial: «Senhor nosso Deus, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna».

A oração ajuda-nos a sintonizar o nosso coração com o de Deus e a sincronizar a nossa com a vontade divina. Os santos foram e são, não tanto os que fazem muitas coisas, mas o que rezaram e rezam muito. A oração foi e continua a ser o combustível para agir, para se comprometer, para anunciar o evangelho, vivendo-o no amor e no serviço. A oração ajuda a não desanimar, sabendo que a obra é de Deus, ainda que aja através de nós.

Louvemos o Senhor nosso Deus de todo o coração, pois «grande é o Senhor e digno de todo o louvor, insondável é a sua grandeza. / O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas».

A oração faz-nos saborear a sabedoria e a misericórdia de Deus.

6 – Deus chama-nos à santidade, a uma vida que beba do Seu amor e traduza, dia a dia, a Sua santa vontade, sabendo que a alegria de Deus é o nosso bem e a nossa felicidade. Qualquer que seja a hora, Deus nos chama, vindo à nossa procura.

Todavia, a nós cabe-nos dar o passo seguinte, procurar e perceber a Sua presença, escutar o Seu chamamento, sem adiar, pois não sabemos o tempo que dispomos para nos santificarmos. É esse o desafio de Isaías: «Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos. Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele, ao nosso Deus, que é generoso em perdoar».

O tempo Deus no-lo dá, temos a tarefa de fazer multiplicar os Seus dons na nossa vida e na transformação do mundo. Sem medos, acolhendo a Sua bondade infinita, mas sem displicência, não desperdicemos nem o tempo nem as oportunidades que Ele nos concede.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 55, 6-9; Sl 144 (145); Flp 1, 20c-24. 27a; Mt 20, 1-16a.