Domingo XXVI do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XXVI do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Jesus apresenta mais uma parábola sobre o reino de Deus, partindo, novamente, da realidade concreta da vinha e do trabalho para a tornar produtiva.

Numa outra parábola, Jesus deixava claro que “não basta dizer ‘Senhor, Senhor’, para entrar no Reino dos Céus”, mas importa fazer a vontade de Seu Pai que está nos Céus. A proclamação da fé concretiza-se na vivência concreta dos mandamentos, na realização da vontade de Deus, procurando viver de acordo com os Seus ensinamentos. A pergunta de Jesus é de sempre: porque Me chamais Senhor e não realizais o que vos mando?

«Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Foi ter com o primeiro e disse-lhe: ‘Filho, vai hoje trabalhar na vinha’. Mas ele respondeu-lhe: ‘Não quero’. Depois, porém, arrependeu-se e foi. O homem dirigiu-se ao segundo filho e falou-lhe do mesmo modo. Ele respondeu: ‘Eu vou, Senhor’. Mas de facto não foi. Qual dos dois fez a vontade ao pai?» Eles responderam-Lhe: «O primeiro»

Quantas vezes nos ficamos pelas intenções! Quantas vezes já nos aconteceu o que Jesus nos apresenta com esta parábola?! Pessoas que na nossa presença se desfaziam em simpatia, respondendo sempre com amabilidade, com a disposição de cumprirem o combinado, com alegria e generosidade, mas mal saíram de ao pé de nós, logo alteraram a opinião que tinham sobre nós e a boa vontade demonstrada. Outras pessoas que quando se lhes pede algo colocam sempre condições várias, porque não podem, porque não sabem, porque é muito difícil, não têm jeito ou não têm tempo, e, quando damos conta, já cumpriram!

Ou também, as pessoas que nos contestam, olhos nos olhos, com uma frontalidade que nos desarma, mas estão sempre prontas para nos defender diante dos outros! O ideal é que às nossas palavras corresponda a nossa vida, que a nossa fé se transforme em caridade, justiça, solidariedade, em conciliação. Não bastam bons propósitos, é preciso realizá-los ou pelo menos tentar!

2 –Jesus ensina com autoridade! Esta autoridade é-lhe reconhecida porque às palavras, junta gestos de inclusão, proximidade, resposta concreta aos anseios e fragilidades das pessoas, sobretudo das mais desfavorecidas.

A isto chamamos coerência de vida, que deve ou deveria ser o objetivo de todas as pessoas.

Por maioria de razão, há de ser uma motivação e um desafio de todo o cristão, para desse modo imitar o seu Mestre e Senhor, Jesus Cristo. O ensino de Jesus é contraposto ao ensino de fariseus e doutores da lei; estes são considerados (pelo próprio Jesus) hipócritas, pois exigem e não cumprem, defendem preceitos para os outros mas sem intenções de fazer o mais pequeno esforço para também cumprir. Ao olharmos para o nosso tempo vemos como a coerência de vida é cada vez mais urgente em todos os setores da vida, social, cultural, desportiva, religiosa, política. A incoerência leva à desmobilização, à indiferença, ao conflito, à descredibilização de pessoas e instituições.

O Papa Paulo VI referia que um dos pecados maiores do nosso tempo era a falta de consciência do pecado e o divórcio entre a Igreja e a sociedade, entre a fé e a vida, entre o Evangelho e a cultura. A fé e a militância religiosa não marcam o compromisso dos cristãos nos setores da vida social em que estão presentes. E desse modo, se alarga também aos cristãos a hipocrisia e o cinismo. O nome (de cristãos), muitas vezes, não corresponde à vida que se leva.

Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, recuperando uma sua intervenção anterior, assumia, sem equívocos, que “o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas”.

Por sua vez, Bento XVI, propõe a sabedoria e o testemunho dos santos, como pessoas que procuraram a fidelidade à Palavra de Deus no compromisso com os outros na caridade, acentuando a coerência dos cristãos no quotidiano e no mundo em que se inserem. É interessante, a propósito, a perspetiva luminosa do Papa Francisco, que fala na democracia da santidade, dos pobres ao pé da porta, santos do dia a dia.

3 – Se se nos afigura tão difícil a coerência de vida, peçamos ao Senhor a fortaleza do Seu Espírito, e o discernimento, para que, nas mais variadas situações, possamos agir com criatividade, generosidade, com alegria, promovendo o bem, a paz, a concórdia.

Se nos afastarmos do Senhor, tenhamos presente a recomendação do profeta: “Quando o justo se afastar da justiça, praticar o mal o vier a morrer, morrerá por causa do mal cometido. Quando o pecador se afastar do mal que tiver realizado, praticar o direito e a justiça, salvará a sua vida”. Com o salmista supliquemos: “Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador: em vós espero sempre”.

A santidade não é um estado permanente, ainda que haja muitas pessoas que vivam e testemunhem uma grande e intensa intimidade com Deus, respirando e transpirando paz, alegria, humildade, generosidade. As palavras que proferem revelam uma maturidade que nos transcende, disponíveis para o serviço e cuidado ao seu semelhante. Vivem como se em cada pessoa encontrassem Deus!

A santidade é um caminho para todos, ainda que haja alguns muito mais perto. Somos limitados e imperfeitos até à eternidade. Mesmo quando a eternidade é experienciada no tempo e na história, ainda não é definitiva nem plena. Podemos sempre vacilar ou até recuar no caminho. O importante, porém, é fazermo-nos à estrada, tornarmo-nos peregrinos da perfeição de Deus, aceitar que Lhe pertencemos e necessitamos da Sua graça. Sempre!

4 – No caminho da santificação não estamos sós. Deus acompanha-nos e acompanham-nos todos os que projetam a sua vida para Deus, para a eternidade, para o Infinito. Enquanto caminhamos, muitas pessoas fortalecem as nossas convicções e/ou nos desafiam a ser mais, a ser melhores.

São Paulo, dá-nos mais uma lição importante para enfrentarmos as dificuldades e vivermos como família, para nos sentirmos mutuamente fortalecidos. Diz-nos, nesta sua epístola aos Filipenses: “Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade, se existe alguma consolação nos dons do Espírito Santo, alguns sentimentos de ternura e misericórdia, então, completai a minha alegria, tendo entre vós os mesmos sentimentos e a mesma caridade, numa só alma e num só coração”.

Vale a pena continuar a escutar e mastigar as palavras do Apóstolo: “Não façais nada por rivalidade nem por vanglória; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros. Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus”. Nem sempre é fácil! Por mais sintonizados que possamos estar, somos diferentes, estamos em tempos díspares, pelas circunstâncias do momento, por feitio ou preguiça, por palavras ou gestos que, em determinada altura, não entendemos. Por isso, é caminho e compromisso e exige atenção, esforço, cuidado, emprenho, ponderação, avaliando, a espaços, se estamos centrados mais em nós, nas nossas fragilidades e desejos, ou mais sincronizados com Jesus Cristo.

Não se trata de uma opção ou de um capricho, trata-se de imitar Jesus Cristo, nosso Mestre e Senhor: “Ele, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai”.

O abaixamento de Jesus, na obediência à vontade do Pai, na entrega confiante e total, na realização plena da Sua identidade e missão, fazem-n’O passar da morte à vida, cuja invocação do Seu nome, nos garante a vida eterna. Cabe-nos agir do mesmo modo, amor e serviço, para louvor e glória de Deus Pai e, após a nossa morte, a nosso nome esteja escrito no livro da vida eterna.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ez 18,25-28; Sl 24 (25); Filip 2,1-11; Mt 21,28-32.