Domingo XXVII do Tempo Comum – ano A – 2023

Watch Now

Download

Domingo XXVII do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – «Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os seus servos aos vinhateiros para receber os frutos».

Príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo na primeira fila para ouvirem Jesus. A multidão está lá também. Aqueles, porém, vão para a frente não com o propósito de seguir Jesus, mas para se apresentarem como líderes e senhores de todo o povo. Jesus utiliza as parábolas da vinha para despertar, para provocar, para nos fazer tomar consciência da realidade, sem Se impor. Ele é a Palavra que Se faz carne. A linguagem é simples e acessível, é direta e frontal, sem pretensões de convencer. Ele propõe. Cabe a cada ouvinte ser discípulo ou ser mero espetador. Na primeira ou na segunda fila, ou mais atrás, estou eu e tu, a escutar, a observar, a olhar para Jesus! Por curiosidade, por hábito, por ver que outros também se aproximam ou porque decidimos segui-l’O, deixando-nos interpelar pelas Suas palavras! Como vai ser?

O dono da vinha é o Senhor, que a planta, cuida dela para que venha a dar fruto em abundância.

Na primeira leitura, o dono da vinha tudo faz para que a vinha, a casa de Israel, produza uvas de boa qualidade. “O meu amigo possuía uma vinha numa fértil colina. Lavrou-a e limpou-a das pedras, plantou-a de cepas escolhidas. No meio dela ergueu uma torre e escavou um lagar. Esperava que viesse a dar uvas, mas ela só produziu agraços”. Então que fazer? Continuar a insistir ou arrancar a vinha e plantar outra em seu lugar? Com efeito, “a vinha do Senhor do Universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida. Ele esperava retidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror“.

2 – No Evangelho, a parábola de Jesus remete para o dono da vinha que arrenda a sua vinha. Os vinhateiros encontram tudo preparado para uma excelente colheita. Pouco precisam de fazer. Logo vem a hora da colheita. Então o proprietário envia mensageiros para receberem em seu nome a parte que lhe cabe pelos frutos. A ganância apodera-se dos vinhateiros. Ao verem os enviados do dono da vinha, matam, agridem, injuriam. Entretanto, o dono da vinha envia o próprio filho, pensando que o respeitarão por ser seu filho. Os arrendatários não querem saber, pelo contrário, matam também o filho para assim ficarem com a herança que lhe pertence.

Jesus, tal como o profeta, interroga os interlocutores: que fazer àqueles vinhateiros? A resposta compromete-os: «Mandará matar sem piedade esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entreguem os frutos a seu tempo».

No ambiente destas parábolas, Jesus coloca em causa aqueles que, embora sempre à volta do templo e da religião, esmagam o seu semelhante, com impostos, com obrigações que eles não cumprem.

A parábola fala de todos os mensageiros que Deus enviou ao Seu povo. Foram ignorados, perseguidos, acusados injustamente, expulsos das cidades, escorraçados, para não incomodarem, para não denunciarem as injustiças.

Por último, Deus envia o Seu Filho Unigénito. Nem assim. Aqueles a quem foi dada a missão de cuidar da vinha, de tratar bem as pessoas, de as guiar por caminhos de bem e de verdade, promovendo a justiça solidária, esvaziam os bolsos e a vida das pessoas simples, multiplicando as leis e as obrigações morais e religiosas, cansam, esgotam a vinha e as videiras. Não querem saber da raiz, da cepa, querem apenas retirar os frutos, sem os partilhar. Fazem lembrar Adão e Eva que recolhem o fruto da árvore sem o partilhar, guardando-o apenas para si e sua família chegada!

Fariseus e doutores da Lei tinham a missão de envolver as pessoas, cuidando, tratando das feridas, testemunhando o amor de Deus, no entanto, utilizam o poder e a liderança para se servirem, para pisarem, para se sobreporem. É a discussão de ontem e de hoje, dos doutores da lei, dos anciãos do povo, mas também dos discípulos: quem será o maior?

Não te esqueças, eu e tu estamos no mesmo barco, haverá momentos em que também somos fariseus e entendidos na Lei e há momentos em que queremos ser discípulos de Jesus e sê-lo-emos se nos deixar interpelar por Ele, acolhendo a Sua misericórdia.

3 – “Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha. Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós”. A prece do salmista, que é também a nossa prece, assume com humildade a própria pequenez, deixando que Deus, compassivo e bom, possa vir em auxílio da vinha que Ele plantou. Como Maria, a Mãe de Jesus e Mãe nossa, cuja humildade acolhe e manifesta a grandeza de Deus, recuando, abrindo espaço, para que o Seu amor se revele. A oração é um pedido feito de confiança, na certeza que Deus é fiel às Suas promessas. Ele continua a visitar-nos e a entrar na nossa vida. As alianças de Deus com os homens, com o povo eleito, com a humanidade, não são revogáveis, mantém-se válidas, sempre e para sempre. Assim é, como assume o Vaticano II, assim o reflete, entre outros, Bento XVI/Ratzinger, as alianças feitas com o povo judeu. A nova Aliança, no sangue de Cristo, com a Sua oblação até à morte e morte de Cruz, não substituem nem anulam as Alianças primordiais, que se mantém válidas, ainda que aquela assume a plenitude e a consumação de todas as alianças. Deus é fiel!

A vinha exige muito trabalho, ao longo do ano inteiro, escava, adubar, podar, herbicidas, a ampara, o enxofre… é um trabalho permanente. Se a vinha não é cuidada, no final o fruto poderá não ser o esperado. Um mau ano agrícola, pode deitar por terra todo o esforço. Mas não é definitivo. Volta o trabalho e o cuidado, para novos anos de abundância.

Os textos da Bíblia falam-nos desta esperança. O Senhor não abandonará a Sua vinha. Deus não desiste de nós. Nunca. Deus nunca desiste de nós. Podemos dar apenas agraços, mas Deus dá-nos tempo para refazermos a vinha, para nova poda, novos enxertos. «Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável aos nossos olhos’? Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a um povo que produza os seus frutos».

Rejeitado, morto numa Cruz, Jesus, o Filho de Deus, ressuscita e torna-Se pedra angular, a verdadeira cepa, a verdadeira videira, na qual havemos de enxertar a nossa vida, para que possamos produzir fruto com abundância. Se, como ramos, nos mantivermos unidos à videira é possível que a água se transforme no melhor vinho, que Se transformará no Sangue de Cristo, oferecido para salvação de todos. Podemos errar/pecar. Deus continua a creditar em nós, a apostar em nós. Limpemos a folhagem que em nós está a mais e que impede as uvas de amadurecer.

4 – A afinar pelo mesmo diapasão, o Apóstolo testemunha o amor de Deus, a quem podemos sempre apresentar as nossas súplicas, as nossas inquietações: «Não vos inquieteis com coisa alguma. Mas, em todas as circunstâncias, apresentai os vossos pedidos diante de Deus, com orações, súplicas e ações de graças. E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus. O que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim é o que deveis praticar… E o Deus da paz estará convosco».

       Curiosamente, a confiança em Deus, a certeza que Deus sempre vem, que escuta a nossa prece, remete-nos para o compromisso, para o trabalho, para o cuidado da vinha. Deveis praticar o que aprendestes! Confiar em Deus, por certo, não significa sentar-se à sombra da bananeira à espera do alimento e da abundância da vida.

Confiar em Deus levar-nos-á a agir com persistência. Há anos em que a vinha não produz tanto, dependendo de muitos fatores. O agricultor logo após a vindima recomeça todo o processo, com a esperança renovada em novas colheitas. Não lhe cabe decidir os fatores externos, a chuva e o sol, o vendaval e o granizo, ou os animais selvagens, como os estragos dos javalis! Cabe-lhe intervir onde e quando necessário, verificando, dia a dia, como se encontram as cepas e a rama, e, como referido na primeira leitura, protegê-la, evitando, por exemplo, que javalis ou outros animais, entrem e a devastem, com a colocação de sebes ou muros.

Este é o cuidado e vigilância que também nos é pedido, rezando, em primeiro lugar, confiando em Deus, mas atentos à preguiça, às distrações, à indiferença pelo sofrimento dos irmãos, comprometidos, cada dia, a dar o melhor de nós mesmos, mais do que transformar o mundo, deixando-nos transformar por Deus, pela Sua palavra, pela Sua graça infinita! A grandeza de Deus manifestar-se-á na medida em que criarmos espaço para que Ele seja e aja em nós. Então seremos luz e bênção uns para os outros.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 5, 1-7; Sl 79 (80); Filip 4, 6-9; Mt 21, 33-43.