Domingo XXVIII do Tempo Comum – ano A – 11 de outubro de 2020

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Domingo XXVIII do Tempo Comum – ano A – 11 de outubro de 2020

1 – O essencial da vida não se compra nem vende, o essencial não tem preço. O que está à venda é perecível, é passageiro, está sujeito à lei da procura e da oferta, valoriza ou desvaloriza conforme as circunstâncias. O que se pode comprar não é definitivo, é uma troca a que se atribui um valor (comercial), é para o momento e para satisfazer uma necessidade ou um capricho. Satisfeitos estes, deixa de ter valor ou simplesmente se esquece ou se arruma a um canto, ou, passado o instante, a moda, ou o capricho, procura-se outra compra, outro objeto que preencha algum vazio ou anseio. O essencial, célebre afirmação de Antoine Saint-Exupéry, no Principezinho, é invisível aos olhos, é visível ao coração. O essencial é o que nos liga à vida e uns aos outros, os afetos, o amor, como sentimento de fundo, como alicerce dos demais sentimentos. O essencial é gratuito, dá-se, acolhe-se, recebe-se, partilha-se, comunga-se, multiplica-se na condivisão.

2 – Jesus vive e anuncia o essencial, o que permanece: o reino de Deus, ou o amor que dá vida e permanece para sempre. Mais uma parábola muito sugestiva: «O reino dos Céus pode comparar-se a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho».

São muitos os convidados. Os servos são enviados para chamar os convidados, mas têm outras preocupações. Quando não se tem vontade também não se tem tempo. Quando não se quer, arranjam-se justificações e desculpas. Apesar de ser um banquete, um banquete real, com todos os requintes, e ser, à partida, uma grande honra e privilégio, os convidados não fazem caso, um vai para o campo, outros para os negócios e outros apoderam-se dos servos, tratando-os mal e matando-os.

A reação do rei só poderia ser de revolta, fazendo aos convidados o mesmo que eles fizeram com os seus servos. Há oito dias, vimos como os vinhateiros maltratam, espancam e matam os servos do dono da vinha, e finalmente matam o próprio filho, para se apoderarem da vinha e dos seus frutos. Neste domingo e nesta parábola, a mesma desfaçatez: os convidados cospem no prato de quem lhes dá o alimento!

3 – Há oito dias, a parábola terminava com a conclusão de que o dono da vinha iria entregar o cuidado da mesma a outros vinhateiros que a seu tempo entregassem os devidos frutos. Neste domingo, quase em paralelo, aquele rei manda que sejam convidados outros: «Ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos os que encontrardes».

O reino de Deus é para todos, é para aqueles que acedem ao convite, tenham sido os primeiros a ser convidados ou tenham sido os últimos. Claro fica a interpelação aos judeus, instalados na sua religião como se fossem donos e não convidados, como se não precisassem do rei nem da festa do reencontro com o seu Senhor. Como se, de repente, tivessem passado de administradores a proprietários.

Em definitivo, em Jesus, a salvação de Deus chega a todos, destina-se a todos. Bons e maus. Não se compra com os méritos. Não se conquista pela perfeição. Não se ganha pelas obras realizadas ou pelos currículos apresentados, acolhe-se no amor e é no amor, que se dá, que serve e cuida, que gasta a vida a favor dos outros, que se entra no reino de Deus, anunciado, instaurado e vivido, em plenitude, em Jesus Cristo, na Sua vida por inteiro e significativamente na Sua paixão redentora, morte e ressurreição, que celebramos em cada Eucaristia, tornando-nos, também nós, participantes do Seu banquete, da Sua oferenda, do Seu mistério pascal.

4 – Acolher o reino de Deus, na gratuidade do amor, da entrega, da partilha na comunhão, deixando-nos transformar pelo Seu Santo Espíritos e agir em conformidade com a identidade assumida Batismo, procurando, em tudo, transparecer o Seu amor. Se aceitamos o convite do Senhor, para participarmos do Seu banquete, então temos que vestir a pele de convidados, a veste nupcial, vestirmo-nos festivamente, para honrarmos Aquele que nos convidou. Não vamos de qualquer maneira, não vamos por metade ou só para ver a bola, vamos por convicção, porque nos deixamos converter pelo Espírito Santo, convertendo-nos a Jesus, e agindo com a mesma ternura, delicadeza e compaixão. Ou ajuntamos com Ele, ou somos fatores de dispersão. Não podemos estar com um pé dentro e outro fora, estar comprometidos apenas quando convém.

«O rei, quando entrou para ver os convidados, viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial e disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’. Mas ele ficou calado. O rei disse então aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o às trevas exteriores; aí haverá choro e ranger de dentes’».

Há algumas semanas, Jesus dizia aos Seus discípulos, quem não Me amar mais a Mim do que à mãe, ao pai, ao filho ou à filha, e do que à própria vida, não é digno de Mim. Quem quiser seguir-Me renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-Me. Quem guardar a vida para si perder-se-á, mas quem se perder por Minha causa, ganhará a vida! Nem todo aquele que Me diz “Senhor, Senhor”, entrará no Reino de Deus, mas somente aquele que guardar os Meus mandamentos.

Somos cristãos a partir do coração, da alma, do interior, somos cristãos de todas as horas. Cristãos comprometidos com o Domingo, no louvor festivo ao Senhor da Vida. Somos de Cristo todos os dias. Sem pausas, nem reservas, não na condicional, mas somos cristãos no concreto do tempo e da história, na ligação a cada pessoa, mais perto ou mais distante. Não somos cristãos apenas de manhã ou quando rezamos, somos cristãos quando rezamos, quando ajudamos, quando colocamos em prática as obras de misericórdia. Como dizia o nosso Bispo, na Missa Crismal, no dia 5 de outubro, Deus não nos pergunta pelo currículo, mas pelos irmãos, sobretudo os mais vulneráveis, pois é neles que Deus Se revela, mais do que nos livros ou na interioridade.

5 – O Profeta Isaías anuncia-nos o que Jesus realiza com a Sua vinda. A promessa antecipa e prepara a vinda de Jesus, o reino de Deus, o banquete da alegria, que se inicia no tempo presente e nos projeta e se prolonga para a eternidade. Participamos do banquete nupcial, como antecipação, sacramentalmente, na celebração do mistério pascal na Eucaristia, e, em definitivo, quando chegar a nossa hora de morrermos para o tempo e para a história e nos acolhermos eternamente no amor de Deus.

“Sobre este monte, o Senhor do Universo há de preparar para todos os povos um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos deliciosos: comida de boa gordura, vinhos puríssimos. Sobre este monte, destruirá a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer da terra inteira o opróbrio que pesa sobre o seu povo”.

O banquete, a salvação é para todos os povos e suas gentes. A imagem do banquete é um convite ao encontro, ao convívio e à festa. Mesmo num tempo de pandemia, com a exigência do afastamento físico e com reversas no contacto corporal, o desafio vai além das limitações, sintonizando-nos a partir do coração, do amor, da ternura, que, cuidando, nos move a ajudar em concreto as pessoas que Deus coloca à nossa beira. O banquete é para nós, mas há lugares para todos. Só nos sentiremos verdadeiramente felizes quando os outros também se sentarem à mesa e se alegrarem por saborear a presença do Senhor.

O alimento faz-nos viver, prepara-nos para o caminho e faz-nos perseverar durante a caminhada. «Eis o nosso Deus, de quem esperávamos a salvação; é o Senhor, em quem pusemos a nossa confiança. Alegremo-nos e rejubilemos, porque nos salvou».

6 – À universalidade da salvação, agrafa-se a confiança em Deus que nos alimenta, nos guia e nos protege, Ele que conta connosco para ajuntarmos o rebanho e facilitarmos que todas as ovelhas entrem no aprisco e fiquem em segurança. Não se anulam as dificuldades, prevalece a confiança, em todos os momentos, e o compromisso solidário entre todos, socorrendo os mais frágeis.

“O Senhor é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma. Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome. Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo: o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança. Para mim preparais a mesa à vista dos meus adversários; com óleo me perfumais a cabeça e o meu cálice transborda. A bondade e a graça hão de acompanhar-me todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre”.

Na abundância ou na adversidade, Ele segue connosco no caminho. Nesta semana que precede o Dia Mundial das Missões, cujo tema escolhido pela Papa é retirado de uma expressão do Profeta Isaías: “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6, 8), o compromisso de sermos como o Bom Pastor, discípulos, aprendendo com Ele e agindo como Ele, missionários, indo para ajuntar, para que ninguém se perca, mas todos façam parte do mesmo redil, da mesma família de Deus.

7 – “Tudo posso n’Aquele que me conforta”.

Por sua vez, São Paulo, na segunda leitura, testemunha a fidelidade a Jesus Cristo, ao Seu evangelho, confiando sempre, em todos os momentos, sem desanimar, certo que Deus proverá a todas as necessidades com o bem e a paz, o amor e a ternura.

“Sei viver na pobreza e sei viver na abundância. Em todo o tempo e em todas as circunstâncias, tenho aprendido a ter fartura e a passar fome, a viver desafogadamente e a padecer necessidade. Tudo posso n’Aquele que me conforta. No entanto, fizestes bem em tomar parte na minha aflição. O meu Deus proverá com abundância a todas as vossas necessidades, segundo a sua riqueza e magnificência, em Cristo Jesus”.

A providência divina enquadra a ajuda fraterna, o auxílio concreto no momento de carestia. A oração sintoniza-nos com Deus e com a Sua vontade, e esta sintonia leva-nos a fazer o que está ao nosso alcance, como o Bom Samaritano, para aliviar as feridas uns aos outros, a minorar os sofrimentos dos mais débeis, a dar alimento a quem tem fome, a saciar a sede a quem sequiosamente procura um sentido para a vida, a dar pousada e descanso a quem busca alento para prosseguir a caminhada.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 25, 6-10a; Sl 22 (23); Filip 4, 12-14. 19-20; Mt 22, 1-14.