Domingo XXVIII do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XXVIII do Tempo Comum – B – 2021

1 – «Ninguém é bom senão Deus».

A Deus o que é de Deus e aos homens o que aos homens pertence. A expressão lapidar de Jesus recoloca-nos na nossa condição mortal e fenita, no nosso peregrinar até à eternidade. Só Deus é bom. Esta certeza retira-nos a carga da presunção e da culpabilização. Criados à Sua imagem e semelhança, trazemos em nós as marcas da santidade de Deus, mas também sujeitos ao tempo e ao espaço.

Enquanto verdadeiro homem, Jesus, Ele próprio, Se coloca em situação de fragilidade e finitude, pese embora a Sua divindade. Faz-nos olhar para o Pai e obriga-nos a olhar para nós e para os outros. Estamos no mesmo barco, na mesma situação. Somos iguais, somos irmãos. Não sou melhor que tu, mas também não te sou inferior em dignidade e humanidade. Estamos ambos diante de Deus e de Deus dependemos para viver, agora e no futuro.

À questão deste homem – «Bom Mestre, que hei de fazer para alcançar a vida eterna?» –, Jesus responde com humildade, abaixando-Se e ajustando-Se. Não Se coloca acima, além das fragilidades e sofrimentos humanos, mas dentro, caminhando connosco, assumindo-nos nas nossas dúvidas e hesitações, nos nossos questionamentos e medos. Responde não com um discurso bem elaborado, mas com o caminho que está ao alcance de todos: viver os mandamentos plasmados por Moisés: «Não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe’».

Jesus valida, sanciona e leva à plenitude a Lei. Os mandamentos não perderam a sua validade. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como Deus nos amou em Jesus Cristo, dando a vida, é opção única para os cristãos (que não o sejam apenas de nome).

2 – A bondade de Deus é substantiva. Como em tempos dizia o Pe. Manuel Gonçalves da Costa, em Deus a santidade é um substantivo, faz parte da Sua essência. Em nós, a santidade é um adjetivo, pois acolhemos a santidade de Deus, mas estando sujeitos às fragilidades da nossa existência. Numa palavra, somos peregrinos, em processo de aprendizagem. É uma conversão permanente que só termina quando Deus nos chamar para a Sua morada eterna.

Como seres humanos poderemos fraquejar a qualquer momento, poderemos gerar conflito ou provocar discussões, mesmo que não intencionais. Somos pecadores em processo de santificação. Aliás, esta consciência e a assunção da nossa condição humana é que nos permite abeirar-nos de Jesus e suplicarmos que venha em nosso auxílio, com o Seu amor e o Seu perdão. Se nos enchermos de presunção não haverá lugar para a graça de Deus nem para nos considerarmos iguais aos outros.

O homem, diante de Jesus, mostra-se cumpridor dos mandamentos, mas percebe-se agora que os viveu, sempre, como um fardo, uma obrigação imposta, uma espécie de contrato para conquistar o reino de Deus. Jesus olha para ele com simpatia e vendo que deseja algo mais responde-lhe: «Falta-te uma coisa: vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me».

Seguir Jesus implica-nos totalmente, nada se exclui da nossa vida, o nosso tempo, os nossos bens, até os nossos pecados. Nada é dispensável. Não somos discípulos a prazo ou sob reserva ou na condicional, dependendo dos contextos, disposições ou exigências. Este homem não olha para o desafio mas para os entraves, para os seus bens, que se tornam mais importantes que o seguimento.

A pobreza é a primeira condição para acolher a vocação, o chamamento de Jesus e para nos colocarmos a caminho. Quem se assume na riqueza do que possui, deixa-se possuir pelos bens e condicionar por eles. Não está em causa o trabalho de cada dia que nos cabe realizar, bem como a geração de riqueza para investir e partilhar, mas deixar-se dominar pela ganância, pela avareza.

3 – O homem retirou-se pesaroso. O olhar de Jesus perscruta o nosso interior. Aquele homem desviou-se porque tinha um coração demasiado preenchido de preocupações, de contas, de riquezas, estava (apenas) focado no que tinha, reservando algum tempo, que lhe sobrava, para fazer mais alguma coisa! Mas Jesus exige tudo de nós, não as sobras ou o que não nos faz falta.

Jesus olha para os discípulos, naquele tempo como hoje, e diz-lhes: «Como será difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus». Não há lugar para meios-termos, meio-tempo, part-time! O discípulo sê-lo-á sempre, em todas as ocasiões e situações, na bonança e na adversidade, na vida pessoal e familiar, social e profissional, no descanso como nos tempos de lazer. Não se reserva um tempo para ir à Missa, ou para rezar de manhã e à noite, ou para ir a Fátima ou à Lapa! O cristão é-o em todos os instantes, também nos negócios e nos “comes e bebes”, nas campanhas eleitorais e no compromisso político-partidário, na oposição ou na governação, na escola e no centro de saúde, no barbeiro e na cabeleireira, na tasca e no café, no banco do jardim ou nas encruzilhadas!

Os discípulos desviam o olhar do de Jesus, olham uns para os outros, em redor ou para o chão. «Quem pode então salvar-se?». Jesus fixa-os novamente, olhos nos olhos, e responde-lhes: «Aos homens é impossível, mas não a Deus, porque a Deus tudo é possível».

Ressoa aqui a resposta dada pelo Anjo a Nossa Senhora aquando da Anunciação. A salvação, a vida eterna, não é uma conquista nossa, é dádiva de Deus. Se fosse conquista talvez só se safassem os que tivessem mais meios, mais riqueza, mais inteligência ou esperteza! Deus atribui-nos o mérito dos dons que nos dá. Obviamente que nos cabe acolher os Seus dons e pô-los a render, partilhando a vida e pugnando por um mundo mais justo e fraterno, procurando em tudo agradar ao Senhor. Para Lhe agradarmos, basta imitar Jesus, na ternura, compaixão, no auxílio concreto a cada pessoa que se apresenta em sofrimento, acolhendo e perdoando, abençoando e curando.

4 – Quem de entre vós quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos. Escutámos estas palavras nos últimos domingos. O seguimento exige desprendimento, amor, serviço, gastar a vida a favor dos demais.

Este homem sentiu que seguir Jesus era um risco, pois deixaria de estar ao serviço dos seus bens, para estar ao serviço de Jesus e do Evangelho, o que faria com que os bens não fossem um fim em si mesmo! Os discípulos, apesar do caminho percorrido, ainda têm muito que aprender e caminhar. Querem assegurar-se que não ficarão desamparados depois de Jesus ser morto. «Vê como nós deixámos tudo para Te seguir».

Jesus não menospreza os bens, mas enquadra-os numa outra dinâmica. «Todo aquele que tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras, por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais, já neste mundo, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, juntamente com perseguições, e, no mundo futuro, a vida eterna». Sem filtros, Jesus diz-lhes mais uma vez ao que vem. Não lhes faltarão os bens que precisam, mas também não lhes faltarão perseguições!

5 – Sabendo das nossas limitações, temos em Deus o aliado natural, que não nos substitui, mas potencializa o que somos e os dons que nos dá. Ele dá sentido aos nossos sucessos e aos nossos fracassos, relativizando uns e outros, como estádios da nossa vida em abertura para a eternidade. Só Deus é Deus! É a melhor garantia para absorvermos a ansiedade da “conquista” e a desolação das perdas.

Alimentamos a fé com a oração, que, por sua vez, nos prepara, justifica e conduz ao compromisso com o bem. “Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça preceda e acompanhe sempre as nossas ações e nos torne cada vez mais atentos à prática das boas obras” (oração de coleta).

Na primeira leitura, o sábio de Israel apõe a sabedoria a toda a riqueza. Esta não faltará quando nos conduzimos pela prudência e pela sabedoria. “Orei e foi-me dada a prudência; implorei e veio a mim o espírito de sabedoria. Preferi-a aos cetros e aos tronos e, em sua comparação, considerei a riqueza como nada. Amei-a mais do que a saúde e a beleza e decidi tê-la como luz, porque o seu brilho jamais se extingue. Com ela me vieram todos os bens e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis”.

O jovem rico do Evangelho precisava de ter escutado estas palavras do sábio, para saber que nada perderia se colocasse Deus em primeiro lugar e seguisse Jesus de todo o coração, não perderia os bens, mas estes seriam oportunidade para viver com mais saúde, ajudando também os outros.

6 – A sabedoria, que nos vem do alto, alimentamo-la pela oração, mas também pela Palavra de Deus, acolhida, proclamada, mastigada. É Deus que nos fala, ainda que em palavras humanas sujeitas ao contexto pessoal, social e cultural dos autores sagrados.

Com efeito, “a palavra de Deus é viva e eficaz, é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração. É a ela que devemos prestar contas”.

A Palavra de Deus abre-nos a mente e o coração, a vida, para Deus e para acolhermos a Sua vontade, que passa inevitavelmente pelo compromisso com os outros, com a verdade e a justiça, no empenhamento de um mundo humano e fraterno, solidário e pacífico, e que seja casa de todos.

Estamos no mês missionário, e o anúncio do Evangelho, sendo uma obrigação de todos os cristãos, desperta e alimenta a fé, amadurece-a e fá-la frutificar.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Sab 7, 7-11; Sl 89 (90); Hebr 4, 12-13; Mc 10, 17-30.