Domingo XXX do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XXX do Tempo Comum – B – 2021

1 – A maior cegueira é a daquele que não quer ver.

Esta expressão aponta para uma cegueira sobretudo espiritual, para uma cegueira que nos faz indiferentes diante do sofrimento e das necessidades dos irmãos. O Evangelho traz-nos o episódio de um cego de nascença, Bartimeu de seu nome, que está à beira do caminho, a pedir esmola. Jesus, por sua vez, vai no caminho, a sair de Jericó, com os Seus discípulos e com uma grande multidão.

O cego está à margem, é um excluído, esquecido, não conta para a sociedade, quanto mais longe melhor, para não importunar! Para não se sentir um empecilho para os outros e não provocar sentimentos de desprezo! Depende da boa vontade de quem vai no caminho. Sabe que Jesus vai a passar! Aproveita a oportunidade: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim».

Se não vê, se está fora do caminho, a única forma de se fazer ver é gritar, implorar, pedir ajuda. Pelo que terá ouvido dizer de Jesus, conta que Ele possa ajudar. Não tem muito a perder. E pelo que se vê, os seus gritos incomodam muita gente, ao ponto de o mandarem calar. Jesus, uma vez mais, escuta, para, e manda chamá-lo para o Seu caminho. E a agulha muda de sentido por parte da multidão: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te».

Inseridos na multidão deveríamos assumir esta missão: animar, levar a Jesus, conduzir ao caminho, ajudar ou envidar esforços para que outros ajudem. E não a atitude de quem passa ao largo e ao longe, e procura silenciar quem grita, quem sofre, deixando que permaneçam à beira ou fora do caminho.

2 – D. António Couto, Bispo de Lamego, relaciona, com mestria, a atitude de Bartimeu com a postura de Tiago e João. Estes dois, víamos no Domingo passado, estão no caminho e querem sentar-se num lugar de destaque. O cego de Jericó está sentado, na valeta, e quer entrar no caminho de Jesus. Os apóstolos andam em busca de um lugar de poder, de sobranceria, acima dos outros e com os outros ao seu serviço.

“O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus”. Ele deixa tudo para seguir Jesus, enquanto os apóstolos fazem cálculos para saber quanto ganharão por seguirem Jesus. São duas posturas antagónicas. Quantas vezes nos interrogamos se vale a pena seguir Jesus quando as coisas parecem correr melhor a quem não O segue!

«Que queres que Eu te faça», pergunta Jesus ao cego Bartimeu. A resposta parece ser óbvia: «Mestre, que eu veja». Desconcertante é, contudo, o contraponto de Jesus: «Vai: a tua fé te salvou». Jesus não lhe diz: vê, mas vai. A cura, como o milagre, já começou antes. Percebe-se que Bartimeu estava à escuta, à espreita da oportunidade para encontrar Jesus. Quando sabe que Ele está por perto, encurta distâncias, gritando, fazendo-se ouvir.

O cego de nascença usa os meios que estão ao seu dispor para se fazer ver e ouvir. E logo que Jesus o manda chamar, larga o que tem, dá um salto e vai ter com Jesus. Afinal, não vendo, vai ao encontro de Jesus! Às palavras de Jesus, recupera a vista e segue Jesus pelo caminho. É curado da cegueira física, mas o milagre maior é o da conversão e do seguimento.

3 – «Mestre, que eu veja».

Quando foi que nos demos conta que já não víamos? Ou ainda permanecemos cegos a achar que vemos? Para fazermos caminho precisamos de ter consciência das nossas fragilidades e insuficiências, sabermos quem nos chama e nos envia. Vamos juntos. Caminhemos, mas abramos os olhos e o coração, para que não nos falte Jesus. “Deus eterno e omnipotente, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais”.

Como em outras dimensões da vida, quando nos fechamos, quando nos levamos demasiado a sério, achando que o mundo circula à nossa volta, em função de nós, quando achamos que já atingimos um patamar de sabedoria e de santidade que já não precisamos de aprender, de vigiar, de melhorar, de aperfeiçoarmos a nossa bondade e amenizarmos o nosso mau feito, nesse momento tornamo-nos cegos, estupidificamos, deixamos de ter um Céu a alcançar.

Num pequeno conto, o Mestre pergunta aos seus discípulos qual o ponto exato que a noite dá lugar ao dia. Uns dizem que é quando se distinguem as pessoas das árvores, outros quando se veem os olhos das pessoas que se aproximam! O Mestre conclui: o momento exato em que passa a ser dia é quando reconhecemos que os outros são nossos irmãos. É aí que vemos claramente com o olhar de Deus.

4 – Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida que nos redime, nos ilumina, nos guia no tempo e na eternidade. Com Jesus chega-nos a salvação de Deus, a eternidade faz-Se tempo, o Céu desce à terra, a Omnipotência apequena-Se e ajusta-Se a nós.

O Profeta, na primeira leitura, vê longe e por isso nos desafia ao júbilo, comunicando o sonho de Deus: «Soltai brados de alegria por causa de Jacob, enaltecei a primeira das nações. Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai: ‘O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel’. Vou trazê-los das terras do Norte e reuni-los dos confins do mundo. Entre eles vêm o cego e o coxo, a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz. É uma grande multidão que regressa. Eles partiram com lágrimas nos olhos e Eu vou trazê-los no meio de consolações. Levá-los-ei às águas correntes, por caminho plano em que não tropecem. Porque Eu sou um Pai para Israel e Efraim é o meu primogénito».

As promessas que Jeremias vislumbra fazem caminhar com esperança. O Senhor Deus fez-lhe perceber que tal como a amendoeira floresce em pleno inverno e assim despontará a salvação. “Jeremias já ergueu os olhos da invernia e da tempestade e do lodo e da lama e da catástrofe e da morte que tinha pela frente, e já os fixou lá longe, ou aqui tão perto, na frágil-forte-vigilante flor da esperança que a amendoeira representa” (D. António Couto).

5 – As lágrimas em excesso impedem a visão, impedem-nos de ver longe e de ver bem. O povo de Israel foi expulso do seu país, da sua pátria, que lhe dava segurança e identidade, e a certeza de que Deus era bênção. No exílio, os israelitas descobrem que Deus continua por perto, não os abandonou. A dispersão e a expulsão do seu território, reconhecem, deveu-se a culpas próprias e a egoísmos variados. No meio da desolação, os profetas reavivam a esperança, antecipam novos tempos e o regresso à terra prometida.

O salmo de hoje faz-nos distinguir as lágrimas do choro das lágrimas de alegria: ambas nos prepararam para ver a salvação: “Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião, parecia-nos viver um sonho. Da nossa boca brotavam expressões de alegria e dos nossos lábios cânticos de júbilo. / Diziam então os pagãos: «O Senhor fez por eles grandes coisas». Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor, estamos exultantes de alegria. / Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos… Os que semeiam em lágrimas recolhem com alegria. / À ida vão a chorar, levando as sementes; à volta vêm a cantar, trazendo os molhos de espigas”.

Na plenitude dos tempos, Jesus, o Filho de Deus, limpa as nossas lágrimas, carrega sobre si as nossas culpas, atravessa connosco o vale da morte, do sofrimento e do mal e faz-nos passar da sexta-feira santa do cansaço e da injustiça, da mentira e da traição ao domingo de Páscoa da alegria e da vida nova, da primavera e dos reencontros.

6 – Ele é, na verdade, a promessa cumprida, o Messias esperado, o Sumo Sacerdote. Na encarnação, o Céu desce até nós; na Ressurreição, Jesus eleva-nos ao Céu e coloca a nossa natureza à direita do Pai.

A Epístola aos Hebreus explicita o que é um (sumo) sacerdote: “Escolhido de entre os homens, é constituído em favor dos homens, nas suas relações com Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Ele pode ser compreensivo para com os ignorantes e os transviados, porque também ele está revestido de fraqueza; e, por isso, deve oferecer sacrifícios pelos próprios pecados e pelos do seu povo. Ninguém atribui a si próprio esta honra, senão quem foi chamado por Deus, como Aarão”.

A marca do sacerdote é, como o cego de nascença, a pequenez, a consciência das suas fraquezas, para se socorrer da graça e da fortaleza de Jesus Cristo. O sacerdote não é, à partida, o mais forte ou o mais santo, o mais perfeito ou aquele que tem mais qualidades, mas aquele que sabe que a sua vida depende de Deus e se dispõe a gastar a vida pelo seu semelhante. É a condição dos discípulos missionários. Seguir Jesus implica imitá-l’O. Cada batizado participa deste múnus: santificar-se pelo trabalho, pelo amor, pela prática do bem, e contribuir para a santificação dos irmãos. Cristo, por maioria de razão, foi constituído Sumo Sacerdote, no tempo e na eternidade. Não tendo pecado algum, foi-nos enviado para nos redimir. N’Ele a coexistência perfeita de divindade e humanidade. Traz-nos Deus, e ressuscita-nos para Deus.

7 – Valendo-nos novamente do nosso Bispo, supliquemos: “Senhor, afina o meu olhar pela flor que Tu quiseres. / Faz-me ver sempre bem, belo e bom. / Faz-me ver com olhar com que me vês, / e com que olhas a tua criação”.

Se vemos e ouvimos, vamos e anunciemos a Boa Nova em toda a parte. “Quando experimentamos a força do amor de Deus, quando reconhecemos a sua presença de Pai na nossa vida pessoal e comunitária, não podemos deixar de anunciar e partilhar o que vimos e ouvimos” (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Missões).

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Jer 31, 7-9; Sl 125 (126); Hebr 5, 1-6; Mc 10, 46-52.