Domingo XXX do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XXX do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Há uma amálgama de leis, decretos, preceitos que, por vezes, torna-se uma tarefa árdua discernir qual o caminho a seguir, que opções tomar, que escolhas privilegiar. Se pegarmos na Constituição da República, veremos um conjunto de normas orientadores e que procuram assegurar a identidade de um país, garantindo direitos e deveres iguais para todos. Todas as demais leis se sujeitam à Constituição, mas nem sempre é fácil discernir se estão ou não de acordo com a lei geral, dependendo da interpretação da maioria. O Tribunal Constitucional é constituído por pessoas e a constitucionalidade de uma lei ou de uma sentença não é um juízo imparcial e automático, mas depende da sensibilidade de quem o constitui, decidindo, em tantas ocasiões, pela maioria.

Porque vivemos em sociedade, com as nossas qualidades e insuficiências, temos necessidade de diretrizes que facilitem uma sadia convivência entre todos, salvaguardando os que se encontram em situação mais frágil e com maior dificuldade em fazer ouvir a sua voz. A sociedade democrática visa garantir direitos, aos quais, subsequentemente, estão ligados deveres e obrigações, procurando que todos tenham acesso à educação, à cultura, à saúde e, todos, participem ativamente nos destinos do seu país, podendo escolher, a tempos, quem os representa. Apesar de tudo, como facilmente constatamos, nem sempre é fácil assegurar a igualdade para todos e as injustiças sociais são manifestas em muitas franjas da sociedade. É, talvez, essa a margem para que os partidos tirem partido das desigualdades, injustiças, dificuldade em aceder aos bens perecíveis e culturais, com intervenções que agradam aos que se sentem prejudicados ou, pelo menos, não se sentem representados. As eleições são uma oportunidade de repor a igualdade ou, no mínimo, privilegiar os que antes estavam arredados dos bens que a todos deveriam chegar.

Mas com tantas leis, será fácil discernir sobre as que são mais importantes ou mesmo essenciais?

2 – Os fariseus perguntam a Jesus, em tom de provocação, qual é o maior Mandamento da Lei. Como se percebe, alguns elementos deste grupo testam a coerência das intervenções de Jesus, bem como a efetivação das Suas palavras na prática do dia a dia. O evangelista dá nota de que Jesus já tinha feito calar os saduceus. Em tom de sobranceria, os fariseus acham que levarão a melhor sobre Jesus.

Saber qual o mandamento mais importante não se revela tarefa fácil, tendo em conta o desdobramento de preceitos. O decálogo, os 10 Mandamentos, tiveram o mérito de sintetizar os vários preceitos, facilitando, desta forma, a compreensão das leis mais importantes para os judeus. Mas, com o passar do tempo, multiplicaram-se os preceitos. O total de leis presentes na Torah, os cinco primeiros livros da Bíblia e que nós nomeamos de Pentateuco, é de 613 preceitos. São muitas normas para viver como autênticos judeus. A precedência é discutível, pois para uns é o cumprimento do sábado ou a recusa dos ídolos, ou o Hillel, isto é, “O que não queres que te façam a ti, não o faças aos outros”.

Admite-se, porque essa é a oração confessional dos judeus, a prevalência do amor a Deus: “Escuta, Israel, o Senhor é nosso Deus; o Senhor é um só. Amarás, portanto, o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Que estas palavras que hoje te ordeno estejam no teu coração” (Dt 6, 4-6). Sendo um refrão tão conhecido, qual a dúvida dos fariseus? Terão dado primazia às leis que regem o sábado? É que, na verdade, Jesus faz o bem também ao sábado! Se a ideia era colocar em dúvida as prioridades de Jesus, então esta seria uma pergunta, no mínimo curiosa.

3 – «‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento».

A resposta de Jesus é imediata e logo remete para a confissão de fé dos judeus, em conformidade com os Mandamentos. Amar a Deus sobre todas as coisas! «O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas».

Com a resposta, Jesus liga o amor a Deus ao amor ao próximo. Não será possível amar a Deus sem concretizar esse amor no serviço e cuidado ao próximo. Com efeito, recordar-nos-á são João, não é possível amar a Deus que não se vê sem amar o próximo que se vê. Será mentiroso quem se disser amigo de Deus sem o ser do seu semelhante, pois é neste que Deus Se faz, especialmente, presente. O que fizerdes aos pequenos dos meus irmãos é a Mim que o fazeis.

Se queriam prioridades e prevalências, os fariseus ficam a saber que o verdadeiro mandamento, o autêntico amor a Deus passa pelo amor ao próximo. Não há cisões! Não há dilemas! Não há lugar à dúvida! Não há opção! Não se pode escolher amar a Deus sem amar o próximo. E o contrário: não se ama o próximo, sem correr o risco da idolatria ou da instrumentalização, se não se amar a Deus de todo o coração. Ama-se a Deus, amando o seu semelhante e dando a vida por ele. Não se chega ao coração de Deus sem ter os irmãos no coração. Não se levantam as mãos para Deus, sem levantar, com as mãos, os que Ele colocou na nossa vida. Não chegamos à eternidade sem cuidarmos da terra, não chegaremos a Deus sem cuidarmos dos irmãos.

4 – Como tantas vezes tem afirmado o santo Padre, a fé concretiza-se manualmente, o amor de Deus realiza-se na ajuda e serviço aos outros, não genericamente, mas no contacto pessoa a pessoa. Como diria santa Teresa de Calcutá, começa pela pessoa que está ao teu lado. Não precisas de converter o mundo inteiro, não precisas de transformar todo o mundo, precisas de te converter, de transformar o teu coração e ajudares o irmão, não o ideal, mas o concreto, o vizinho, o pai ou a mãe, o filho ou a filha, ou aquela pessoa de quem não gostas tanto, a pessoa concreta que, aqui e agora, precisa do teu olhar acolhedor, das tuas palavras de compreensão, da tua mão estendida para dar, para ajudar a erguê-la, o abraço que aconchega.

De boas intenções está o inferno cheio. Ideais há muitos. É preciso concretizar. Na primeira leitura, o autor sagrado clarifica: «Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás, porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egito. Não maltratarás a viúva nem o órfão. Se lhes fizeres algum mal e eles clamarem por Mim, escutarei o seu clamor… Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que vive junto de ti, não procederás com ele como um usurário, sobrecarregando-o com juros. Se receberes como penhor a capa do teu próximo, terás de lha devolver até ao pôr do sol, pois é tudo o que ele tem para se cobrir, é o vestuário com que cobre o seu corpo. Com que dormiria ele?».

São oportunidades de colocarmos em prática o amor a Deus, no acolhimento e na ajuda solidária ao próximo. E acrescenta o autor que Deus escutará o clamor do pobre. «Se ele Me invocar, escutá-lo-ei, porque sou misericordioso».

Na mesma sintonia, o salmista faz-nos voltar o olhar, o coração e a vida para Deus, sabendo que Ele nos escuta e vem em nosso auxílio, que se efetiva na disponibilidade em viver segundo os Seus desígnios de amor. «Do seu templo Ele ouviu a minha voz e o meu clamor chegou aos seus ouvidos. / Viva o Senhor, bendito seja o meu protetor; exaltado seja Deus, meu salvador. O Senhor dá ao Rei grandes vitórias e usa de bondade para com o seu Ungido. / Meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protetor, minha defesa e meu salvador. Na minha aflição invoquei o Senhor e clamei pelo meu Deus».

5 – Para amarmos a Deus precisamos de O conhecer. Se O amamos queremos conhecê-l’O cada vez melhor e partilhá-l’O com os outros, dando-O a conhecer. A proximidade com Deus dilata o nosso coração e faz-nos querer o que Ele quer, amar ao Seu jeito, ao jeito de Jesus. A evangelização decorre deste nosso amor, da cumplicidade com o Senhor. Uma alegria, a alegria do amor, provoca a partilha. Quando fazes festa queres que outros participem dela. Tendencialmente, fechamo-nos quando estamos tristes; quando estamos felizes queremos que os outros saboreiem connosco a nossa felicidade. Há de ser assim com a fé, com o amor de Deus, não queremos só para nós, precisamos de partir apressadamente, como Maria, e comunicar a todos o quanto nos sentimos amados e como outros podem beneficiar e deixar-se transformar por este amor.

Sublinhava o santo Padre, em Lisboa, na Vigília, no Campo da Graça, “Maria vai porque ama e ‘quem ama, corre feliz’, Isto é o que o amor faz…. em vez de pensar em si mesma, pensa na outra [Isabel]… Porque a alegria é missionária”.

São Paulo recorda as maravilhas que Deus opera através do anúncio da Palavra de Deus, gerando e/ou alimentando a fé. «Tornastes-vos imitadores nossos e do Senhor, recebendo a palavra no meio de muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo; e assim vos tornastes exemplo para todos os crentes da Macedónia e da Acaia. Porque, partindo de vós, a palavra de Deus ressoou não só na Macedónia e na Acaia, mas em toda a parte se divulgou a vossa fé em Deus». A conversão chegou a muitos, porque muitos procuraram imitar Paulo e o Senhor, espalhando, com a alegria, a Palavra de Deus. Os convertidos, por sua vez, dão testemunho dos missionários e tornam-se também eles anunciadores da Boa Nova da redenção.

6 – Neste caminho de acolhimento da graça de Deus, a dilatar o nosso coração, a extravasar a alegria dos sermos escolhidos e assumidos como filhos amados de Deus, tornando-nos missionários, contamos com o auxílio do próprio Deus. Confiantes, a Ele nos dirigimos: «Deus todo-poderoso e eterno, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e, para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais».

Ele que nos chama e nos envia, também nos assiste com a Sua graça.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 22, 20-26; Sl 17 (18); 1Ts 1, 5c-10; Mt 22, 34-40.