Domingo XXXI do Tempo Comum – ano A – 2023
1 – «Na cadeira de Moisés sentaram-se os escribas e os fariseus».
Com o decorrer dos anos, o carisma de Moisés, a beleza, a simplicidade e a grandeza dos Mandamentos desvanece-se com novos líderes e com a multiplicação de leis, de preceitos, com muitas exceções, exigências, derivações, pormenores cada vez mais picuinhas. A complexidade da Lei leva ao seu não cumprimento.
Refira-se que a história do povo de Israel não foi fácil nem linear. Constitui-se a partir de 12 tribos, com peculiaridades próprias que servem para unir mas também para dividir. Funcionam com alguma harmonia e compreensão nas lideranças fortes de Moisés, David, Salomão. Os reis e os líderes religiosos sucedem-se. Fracas e indecisas lideranças geram conflitos, que por sua vez tornam a nação vulnerável. Se cada um puxa para si e/ou para a sua tribo, o povo deixa de ter defesas para os ataques que chegam do exterior. Se interiormente está dividido, não oferece segurança contra os inimigos.
As lutas palacianas pelo poder, a corrupção, as influências das famílias mais poderosas e as negociatas entre os detentores da autoridade civil e militar conduzem a nação ao descalabro. Um alvo fácil das nações vizinhas, mais unidas, militarmente mais poderosas, com estratégias de invasão e de domínio, com um maior poderia económico, Israel é invadido, com os estrangeiros a imporem a sua presença e os casamentos mistos (forma de apaziguar ânimos, se se integram nas famílias judaicas, estas não se voltarão contra os seus familiares…). Por outro lado, os exílios a que estão sujeitos. As notícias que nos chegam do Médio Oriente, de Israel à Palestina, não são de hoje, têm séculos. Com efeito, o povo hebreu sempre lidou com muitas adversidades, os tempos de paz e independência rapidamente deram lugar a tempos de guerra e de violência, e de submissão a impérios vizinhos.
É também nestas condições adversas à Palavra de Deus, que se multiplicam os preceitos para preservar a identidade, cultura e religião judaicas, aquando das invasões, do exílio, ou em momentos de grande instabilidade. Os Profetas alimentam a esperança de Israel, desafiam à fidelidade à Aliança com Deus, no cumprimento dos Seus preceitos e da Sua vontade, por forma a assegurar a identidade do povo, cultural e religiosa, mesmo sujeitos ao domínio estrangeiro, dentro do seu território ou no exílio.
2 – A multiplicação de leis e preceitos confunde as pessoas mais simples e não “obriga” os mais instruídos e poderosos que sempre arranjam subterfúgios para contornar os seus deveres sociais e religiosos.
Jesus, como vimos no domingo anterior, repõe com clareza a simplicidade da Lei. Toda a Lei e os Profetas se resumem, nos seus ditames, a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Se a cadeira (símbolo do ensino e da autoridade) de Moisés foi usurpada, agora é purificada por Jesus, com a autoridade do Mestre dos Mestres, que vive como ensina, dando prevalência ao amor, ao perdão, à conciliação entre todos, à inclusão, melhor, à integração de todos na vida social, política e religiosa, promovendo a justiça e o serviço aos mais pequenos.
A clareza e simplicidade obriga a uma escolha, limitando as desculpas e as justificações. Ou sim ou sopas. A compreensão fácil da Lei, neste caso, do duplo mandamento do amor, implica a sua aceitação ou a sua recusa. Não há “talvez”, ou “assim-assim”. A lei da caridade é inequívoca: amas a Deus de todo o coração amando-O nos irmãos.
Jesus alerta para o desfasamento entre o conhecimento da lei e o consequente cumprimento: “Fazei e observai tudo quanto vos disserem, mas não imiteis as suas obras, porque eles dizem e não fazem. Atam fardos pesados e põem-nos aos ombros dos homens, mas eles nem com o dedo os querem mover. Tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens… Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”.
Aquele velho ditado que tão bem conhecemos: bem prega frei Tomás, faz o que ele diz, mas não o que ele faz. Como sublinhou o santo Padre Paulo VI, um dos maiores divórcios do nosso tempo é a separação entre a fé e a vida.
Malaquias, na primeira leitura, alertava para esta incongruência: “Vós desviastes-vos do caminho, fizestes tropeçar muitos na lei e destruístes a aliança de Levi, diz o Senhor do Universo. Por isso, como não seguis os meus caminhos e fazeis aceção de pessoas perante a lei, também Eu vos tornarei desprezíveis e abjetos aos olhos de todo o povo”. Não cumprem. Exigem aos outros. São um contratestemunho.
Por conseguinte, as palavras de Jesus incentivam a cumprir a lei, com palavras e com obras, seguindo o caminho da humildade e do serviço ao próximo, como expressão e concretização do amor a Deus. Não faz sentido exigir aos outros o que não se faz menção de cumprir.
3 – A referência é Jesus Cristo, com as Suas palavras, com os Seus gestos e com a Sua vida, na oferenda constante a favor da humanidade, até à morte na Cruz.
Foi com este fito que o Apóstolo procurou em tudo imitar Jesus Cristo, para que através do seu testemunho outros aderissem ao Evangelho. Diz-nos são Paulo: “Fizemo-nos pequenos no meio de vós. Como a mãe que acalenta os filhos que anda a criar, assim nós também, pela viva afeição que vos dedicamos, desejaríamos partilhar convosco, não só o Evangelho de Deus, mas ainda própria vida, tão caros vos tínheis tornado para nós”.
O Apóstolo assume uma postura que contraria a dos mestres de Israel que ensinam e exigem aos outros, mas não cumprem nem fazem o mais pequeno esforço para cumprir. O Apóstolo faz-se pequeno, para que Cristo cresça nas comunidades. O maior, para Jesus Cristo, e que é testemunhado por são Paulo, é aquele que se faz pequeno, aquele que serve os seus irmãos.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Mal 1,14b-2,2b.8-10; 1 Tes 2,7b-9.13; Mt 23,1-12.