Domingo XXXI do Tempo Comum – B – 2021

Watch Now

Download

Domingo XXXI do Tempo Comum – B – 2021

1 – «Escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. As palavras que hoje te prescrevo ficarão gravadas no teu coração».

Os judeus, a cada dia, repetem o seu credo, o “shema” (escuta). Desde os mais pequenos aos mais idosos. Para nós, cristãos, é habitual rezarmos o “Pai-nosso”, várias vezes ao dia, ou a “ave-maria”; para os judeus, o “Shema” é a oração, o mandato e a profissão de fé. Por conseguinte, quando o escriba se aproxima de Jesus e lhe pergunta sobre qual o maior mandamento, já sabe a resposta. Afinal, os escribas são “especialistas” na Lei de Moisés.

Jesus, porém, não entra em discussões académicas, minuciosas e demoradas, e logo acrescenta: «O segundo é este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Não há nenhum mandamento maior que estes».

Ao longo do tempo, os estudiosos da Lei foram desdobrando os mandamentos com preciosidades, complicando a sua compreensão e sobretudo a sua prática, tal a complexidade com que revestiam as leis, com exigências, exceções, justificações. Jesus simplifica novamente, para tornar percetível e concretizável: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. É, afinal, a síntese que fazemos na catequese quando aprendemos os 10 Mandamentos da Lei de Deus. No Evangelho, encontramos este mandato personalizado e pleno em Jesus: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Fica assegurado, concretizado e testemunhado a prioridade do amor e a cumplicidade com o Pai, proximidade e cuidado para com todos, especialmente para com os mais desfavorecidos, publicanos e pecadores, mulheres e crianças, doentes e estrangeiros.

2 – Todos temos tempo. Quem quer, faz! Quem não quer, arranja desculpas ou justificações! Não é um absoluto, sabendo que há pessoas mais atarefadas ou mais desorganizadas com os compromissos que assume. Como o tempo é gratuito, dado por Deus, muitas das vezes, não há falta de tempo, pois o dia tem 24 horas para todos, não existe é uma boa gestão do mesmo.

No caminho da nossa santificação, o decisivo não é saber de cor e salteado os mandamentos, a Lei de Deus, a doutrina da Igreja, os princípios e as fórmulas, as normas e orientações, mas amar, estarmos dispostos a seguir Jesus, a imitá-l’O. Àquele escriba Jesus responde: «Não estás longe do reino de Deus». Jesus perscruta-o no olhar, vê além das palavras.

Funciona do mesmo modo no nosso relacionamento com os outros: se gostamos, se amamos, sabemos que há “regras”, limites, fragilidades, mas ainda assim sobrevém a vontade firme de fazermos com que os outros se sintam amados e sejam felizes. É a dinâmica do amor. No concreto, obviamente que vão surgir dificuldades, hesitações, dúvidas ou percalços, renúncias em prol de opções que serão benéficas para ambos.

Mais que renúncias, limites e fronteiras, inevitáveis no relacionamento entre pessoas, existe uma opção, por um bem maior, pelo qual vale a pena esforçar, sacrificar-se e dar vida!

Moisés, na primeira leitura, vinca bem, que a lei é dada por Deus, mas para se entranhar em nós: «As palavras que hoje te prescrevo ficarão gravadas no teu coração». Na resposta ao amor de Deus por nós, concretizável no amor e no serviço aos irmãos, as leis são orientações que facilitam a nossa relação com os outros, porque sinalizam dificuldades. As fronteiras traçam limites, mas também nos ajudam a viver e permanecer no nosso território, neste caso, no território do amor e/ou da amizade.

Nas dúvidas, dificuldades ou hesitações, rezemos confiadamente: “Deus omnipotente e misericordioso, de quem procede a graça de Vos servirmos fiel e dignamente, fazei-nos caminhar sem obstáculos para os bens por Vós prometidos”.

3 – Mais do que um mandato, o amor a Deus e ao próximo é uma resposta. Deus toma a iniciativa, ama-nos primeiro, criando-nos, dando-nos o Seu Filho amado, salvando-nos das trevas, da desolação, do egoísmo e da morte.

Diz-nos o Papa Bento XVI: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte… No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer (…) tenha a vida eterna» (3, 16). Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude. O crente israelita, de facto, reza todos os dias com as palavras do Livro do Deuteronómio, nas quais sabe que está contido o centro da sua existência: «Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças» (6, 4-5). Jesus uniu — fazendo deles um único preceito — o mandamento do amor a Deus com o do amor ao próximo, contido no Livro do Levítico: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo» (19, 18; cf. Mc 12, 29-31). Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um «mandamento», mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro” (Encíclica Deus Caritas est, 1).

4 – Com o salmo, respondemos e rezamos o amor de Deus e a confiança que depositamos no Seu auxílio. “Eu Vos amo, Senhor, minha força, minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador, meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, meu protetor, minha defesa e meu salvador. / Invoquei o Senhor – louvado seja Ele – e fiquei salvo dos meus inimigos. Viva o Senhor, bendito seja o meu protetor; exaltado seja Deus, meu salvador. / Senhor, eu Vos louvarei entre os povos e cantarei salmos ao vosso nome. O Senhor dá ao seu Rei grandes vitórias e usa de bondade para com o seu Ungido”.

5 – A iniciativa de Deus é percetível na criação, na leitura religiosa das origens, nas narrativas bíblicas que nos apresentavam a Palavra criadora de Deus. Deus, transbordando de amor e de bondade, cria o universo, a vida, o ser humano, tendo um interlocutor, à Sua imagem e semelhança, com quem dialoga, a quem ama, a quem dá as condições para viver na verdade e na harmonia.

Perante as transgressões, pecado, egoísmos e infidelidades dos homens, Deus não Se afasta, não Se esconde, ainda que o coração humano esteja mais opaco à presença de Deus. Chegada a plenitude dos tempos, Deus envia o Seu Filho ao mundo para nos resgatar ao sofrimento e à morte, ao egoísmo e à maldade.

Através dos Juízes, Profetas, Reis e Sacerdotes, Deus faz chegar a Sua palavra ao Povo da Aliança; com Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote por excelência, a Palavra eterna torna-se compreensível na linguagem humana. Na vida, nas palavras e nos gestos de Jesus, a nossa redenção, Deus entranhado na nossa vida e na vida do mundo. “A Lei constitui sumos sacerdotes homens revestidos de fraqueza, mas a palavra do juramento, posterior à Lei, estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre”.

Com efeito, refere a Epístola aos Hebreus, “os sacerdotes da antiga aliança sucederam-se em grande número, porque a morte os impedia de durar sempre. Mas Jesus, que permanece eternamente, possui um sacerdócio eterno. Por isso pode salvar para sempre aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus, porque vive perpetuamente para interceder por eles”.

Jesus oferece, não sacrifícios, repetíveis a cada ano, mas oferece-Se de uma vez para sempre e permanecendo vivo, em Deus, intercede continuamente por nós.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Deut 6, 2-6; Sl 17 (18); Hebr 7, 23-28; Mc 12, 28b-34.