Domingo XXXI do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXXI do Tempo Comum – C – 2022

1 – Deus envia ao mundo o Seu Filho para que o mundo seja salvo por Ele. Vem para todos. Todos somos destinatários da salvação, do Seu amor. Afinal, Deus criou-nos por amor para estarmos na Sua presença, quer na história quer na eternidade. A encarnação de Deus visa ajudar-nos, ensinar-nos, a regressar a uma sadia convivência entre nós e diante de Deus.

Jesus revela-nos que Deus é Pai, assumindo-nos como irmãos, e, por conseguinte, ama a todos, sem discriminação, sem exclusão, sem condições prévias. Melhor, a única condição é o amor. Amor que gera e que salva, que cria e eterniza. Jesus encarna, para nos assumir, para nos redimir, para reconciliar o mundo entre si e com Deus, para constituir fraternidade, para tornar explícitos os desígnios de Deus. O universal concretiza-se no particular, a eternidade no tempo, a divindade mostra-Se através de um rosto, uma pessoa humana, através de Jesus Cristo, com o fito de Se manifestar, revelar e expressar em cada um de nós. Tal como os filhos carregam características dos pais, assim também, como filhos do mesmo Pai, de um Deus que nos ama com amor infindo, devemos transparecer a nossas semelhanças com Ele, amando do Seu jeito, promovendo a vida e a harmonia, cuidando de todos e da criação inteira.

Ao longo da Sua vida história, passando para nós essa divisa, Jesus privilegia os mais frágeis, pobres e desfavorecidos, pecadores e publicanos, crianças e mulheres de vida duvidosa, doentes e escravos, estrangeiros e “impuros”, com o propósito claro de incluir, de chamar à vida, de restaurar a dignidade perdida. Ele convive com todos, mas preferencialmente com os excluídos, o que Lhe vale críticas de fariseus e doutores da Lei. Porém, Ele não cede perante as insinuações e as críticas, as ameaças e as armadilhas, segue o caminho de Deus, assume-se, para nós, para todos, Caminho, Verdade e Vida.

2 – Eu ajudo, mas se ele merecer, se ele fizer por isso!

O contraponto é notável, Jesus não pede o bilhete de identidade, não verifica as credenciais, não impõe condições, não tem preconceitos, não está a calcular se deve ou não ajudar, se deve ou não falar com a pessoa; não entra em casa de uma pessoa em função da sua condição social, política ou religiosa. Ele é acusado, precisamente, por andar, por comer, por conviver com pecadores e publicanos, ou seja, pela proximidade à “escumalha” da sociedade daquele tempo.

A opção de Jesus: vou ajudar-te porque és tu. És meu irmão, és filho de Meu Pai, que é teu Pai também. Ajudo-te, chamo-te, olho para ti, porque te reconheço igual a mim e a necessitar de um olhar puro, transparente, humano. Não há truques ou condições, não há interesses escondidos ou exigências futuras.

3 – Zaqueu é um homem rico, é chefe de publicanos. É odiado por todos. Não é fácil pagar impostos e muito menos quando são exagerados e se destinam, em grande parte, a uma potência estrangeira. As pessoas mais simples são castigadas com impostos, vivem sacrificadas pelo trabalho, sem beneficiar do seu fruto. Por mais que se esforcem, vivem à míngua.

Ele quer ver Jesus. Há movimento. O primeiro movimento é a atração. Zaqueu já ouviu falar de Jesus. Quer vê-l’O. Tem curiosidade. Há de ter sentido um impulso interior, um chamamento divino a que deu ouvidos. As motivações não as conhecemos totalmente.

Zaqueu dá os passos necessários para ver Jesus, apesar das dificuldades, da sua estatura e da multidão não lhe facilitar a vida. Sobe a um sicómoro, árvore com folhas largas, para ver sem ser visto. Jesus surpreende-o, pois vê-o e logo o desafia: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa».

Não seria o desfecho que Zaqueu estava à espera, mas desce depressa e recebe Jesus em sua casa, com alegria e em festa. A mudança, a conversão, opera-se: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais». Jesus não colocou condições prévias, simplesmente procurou-o com o olhar e fez-Se convidado. Coube a Zaqueu dar os passos seguintes.

4 – «Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão. Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».

A multidão murmura em coro. Num primeiro momento, contribui, negativamente, para impedir alguns de chegarem perto de Jesus e de O verem. Num segundo momento, a contestação à atitude perdulária de Jesus. Para eles, chamar um publicano e ir tomar uma refeição a casa dele é algo de escandaloso.

De que lado estamos? Do lado do publicano que procura ver Jesus e que se deixa interpelar por Ele, e que O acolhe em casa? Do lado da multidão, escandalizando-nos do bem que transparece nas pessoas que consideramos pecadoras? Ajudamos outros a chegarem a Jesus Cristo? Contribuímos, com as nossas palavras e ações, para que outros vejam Jesus? Do lado de Jesus, prontos a acolher, a encontrar-nos, a ajudar cada pessoa, especialmente a desfavorecida?

5 – O amor de Deus abrange a humanidade inteira. Se Deus nos cria por amor, será o amor a marcar a Sua relação connosco, ao chamar-nos à existência e quando nos fizer regressar à Sua morada eterna. Todos somos destinatários da salvação. Talvez no Antigo Testamento sobrevenham algumas hesitações, por parte do povo de Israel e pelos que transmitem a Palavra de Deus. Ainda assim, vai-se percebendo que os enviados, patriarcas, profetas e juízes, como o povo em geral, são instrumento de bênção e de salvação para todas as nações.

Na primeira leitura, o sábio de Israel manifesta esta universalidade: «De todos Vos compadeceis, porque sois omnipotente, e não olhais para os seus pecados, para que se arrependam. Vós amais tudo o que existe e não odiais nada do que fizestes; porque, se odiásseis alguma coisa, não a teríeis criado. E como poderia subsistir, se Vós não a quisésseis? Como poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência?»

A argumentação do autor sagrado não dá lugar a dúvidas ou interpretações. A criação expressa o amor de Deus e a Sua vontade de expandir o Seu amor, multiplicando-o. De contrário, não haveria criação, não haveria vida, não haveria humanidade. A criação inteira mantém-se graças ao amor e ao poder de Deus.

Sublinha-se também aqui a iniciativa do amor. «A todos perdoais, porque tudo é vosso, Senhor, que amais a vida. O vosso espírito incorruptível está em todas as coisas. Por isso castigais brandamente aqueles que caem e advertis os que pecam, recordando-lhes os seus pecados, para que se afastem do mal e acreditem em Vós, Senhor». Antes de olhar para o nosso pecado, Deus olha para nós, como filhos bem-amados. Antes de catalogar, envolve-nos com a Sua graça e convoca-nos à conversão, a uma vida abundante pela bênção e pelo amor.

6 – A certeza do amor de Deus para connosco, o encontro com Jesus, morto e ressuscitado, vivo entre nós, convoca-nos à oração. Esta alimenta a fé, dom de Deus, que nos habita, dilatando o nosso coração para nos acolhermos como irmãos e constituirmos uma só família.

A oração há de brotar do coração. Mais que as palavras, importa o que nos vai na alma. Porém, também as palavras nos ajudam a rezar e a rezar em Igreja, como povo crente, que caminha ao encontro do Senhor. A oração inicial da Eucaristia, leva um pedido que compromete: «Deus omnipotente e misericordioso, de quem procede a graça de Vos servirmos fiel e dignamente, fazei-nos caminhar, sem obstáculos, para os bens por Vós prometidos».

O salmista sublinha, e com ele nós também, a bondade e a misericórdia do Senhor nosso Deus, o que conduz ao louvor e à glorificação: «Quero exaltar-Vos, meu Deus e meu Rei, e bendizer o vosso nome para sempre… O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas…O Senhor é fiel à sua palavra e perfeito em todas as suas obras. O Senhor ampara os que vacilam e levanta todos os oprimidos».

Também o salmo nos recorda a preferência de Deus pelos que vacilam, pelos mais desfavorecidos, para que a sua recuperação os faça sentir pertença, de pleno direito, ao Povo Eleito e a nós nos faça solidários e comprometidos com eles, dando-lhes as mãos.

7 – Na segunda Leitura, São Paulo revela como a oração acompanha a pregação, interpelando as comunidades a manterem-se fiéis ao evangelho recebido e à fé acolhida. Em jeito de testemunho, diz o Apóstolo: «Oramos continuamente por vós, para que Deus vos considere dignos do seu chamamento e, pelo seu poder, se realizem todos os vossos bons propósitos e se confirme o trabalho da vossa fé. Assim o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós n’Ele».

A oração não nos abstrai do mundo e das preocupações quotidianas. Até os místicos e/ou contemplativos têm presente o mundo, as pessoas e os seus sofrimentos, os povos e os seus traumas e conflitos. Contudo, a ligação ao mundo e o serviço aos irmãos há de partir, também, da oração, da cumplicidade com Deus. A oração faz-nos encontrar em Deus a motivação para ajudar os outros e purifica qualquer resquício de idolatria ou instrumentalização da pessoa. Se a oração é autêntica, se a nossa ligação a Deus é genuína, o cuidado aos irmãos resulta do mesmo amor que Deus lhes tem. Então o serviço já não é uma obrigação, mas alegria e expressão do amor de Deus que nos habita.

A oração prepara-nos também para a adversidade, relativizando-a, sabendo que é Deus o Senhor do tempo e da história e que é Ele que continua ao leme, apesar e além das nossas traquinices. Diz-nos Paulo: «Nós vos pedimos, irmãos, a propósito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso encontro com Ele: Não vos deixeis abalar facilmente nem alarmar por qualquer manifestação profética, por palavras ou por cartas, que se digam vir de nós, pretendendo que o dia do Senhor está iminente».

Vivamos hoje, o melhor de nós, confiantes em Deus que segue connosco nos nossos bons propósitos e nos nossos labores, certos de que amanhã também Ele seguirá connosco.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Sab 11, 22 – 12, 2; Sl 144 (145); 2 Tes 1, 11 – 2, 2; Lc 19, 1-10.