Solenidade da Ascensão do Senhor – ano A – 2023
1 – A vida é marcada por encontros e desencontros, por chegadas e partidas, pela presença física e espiritual e pela distância física e/ou pelo afastamento afetivo. A chegada gera alegria e paz. A partida, a não ser que seja pelo cansaço, pela desistência, pela indiferença ou pela conflitualidade, gera tristeza, desânimo, receio. Receio que nada volte a ser como antes, que a vida fique manca ou deficitária e que os vazios façam mossa, provoquem desencanto e embotamento.
Porém, há partidas, cuja tristeza inicial é compensada pela satisfação de uma história em processo e em construção. Os pais, por mais que lhes custe, terão de deixar partir os filhos, vê-los voar, ainda que lhes pese a tristeza, eleva-os ver que os filhos já têm asas e ferramentas para escrever a própria história. E esta constrói-se, sempre, para ser equilibrada, com as raízes! Um membro do casal vê partir o outro, para longe, com dor, mas sabe que, nesse momento, é a forma para ganhar o pão e proporcionar uma vida melhor à família.
Há partidas definitivas que, efetivamente, quebram laços, interrompem o caminho percorrido em conjunto, desfazem os sonhos e os projetos delineados para o futuro! A tristeza preenche por inteiro o coração, a mente, a vida, e tantas vezes leva à desolação, à apatia ou mesmo à depressão. A fé é, ou poderá ser, não tanto um lenitivo, mas sobretudo uma abertura à esperança, àquela certeza que nos garante que quem morre, em Cristo, com Cristo ressuscitará. E, então, a tristeza e a saudade são equilibradas e/ou superadas pela confiança e pela paz. Não havendo lugar para a fé, a tristeza pode ainda assim ser amparada pelas recordações dos momentos felizes que se viveram, pela gratidão em relação ao caminho feito, pelas marcas de bem que a outra pessoa deixou em nós e pelo contributo da nossa vida para a felicidade de quem partiu.
2 – Conhecendo os seus discípulos, e conhecendo-nos, Jesus prepara-os para a Sua ausência, garantindo que não os deixará sós, abandonados, perdidos. Jesus reconhece a tristeza por esse momento de separação, quando for morto e quando for elevado para o Céu. Agora o vosso coração está inundado de tristeza, porque Eu vou partir e por vos ter dito estas coisas, mas logo transbordareis de alegria, porque voltarei para junto de vós, enviar-vos-ei o Espírito Santo que vos falará de Mim, que falará do Pai; vou para junto do Pai, vou preparar-vos um lugar, em casa de Meu Pai há muitas moradas, para que onde Eu estou, estejais vós também.
Porquanto, é a hora da partida, que dá lugar ao envio e ao compromisso com o Evangelho. Jesus foi morto e, ao terceiro dia, ressuscitou e apareceu aos Seus discípulos! Chegou a hora de partir, em definitivo, para a direta de Deus Pai. As aparições apaziguaram os discípulos, ainda que a dúvida prevaleça em alguns deles, pensando tratar-se de um fantasma ou achando que estão a delirar. Na Galileia, no monte que lhes indicara, Jesus aproxima-Se e os discípulos adoraram-n’O, mas a dúvida permanece em alguns.
Seria expectável, como o fizera em dia de Páscoa, que Jesus os dissuadisse pelas palavras e mostrando as marcas da Paixão. Porém, para Jesus esse tempo passou. A fé amadurece também na dúvida e na incerteza do que acontecerá no futuro. A fé implica a confiança em Deus, no Seu poder e no Seu amor. Nos momentos de dúvida é deixar-se ir e confiar. É como quando entras na água, num rio ou no mar, se estás em dificuldade em te manteres a nadar, mais vale descansar, serenando, boiando, do que esbracejar, pois estás a gastar energias, a entrar em lógica de pânico e isso só te leva ao fundo. Confia, Jesus não te deixa só, não te deixa ir ao fundo.
Jesus dá um passo em frente, envia-os e compromete-os com a Sua missão. Agora será com eles. «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».
A partida de Jesus gera o envio e a missão dos discípulos, na certeza de que Ele permanece connosco, sempre, até ao fim.
3 – Nos Atos dos Apóstolos, o seu segundo livro, são Lucas faz-nos olhar para o Céu e para a terra, com implicações mútuas. A meta é o Céu, mas a terra é a oportunidade de chegarmos ao Céu. Os pássaros não voam nas alturas sem a atração, a gravidade, da terra. A terra, o chão é essencial, mas também a força da gravidade. Só assim o voo é estável e só assim é possível voltar a casa, de contrário, os pássaros desapareceriam na estratosfera.
Depois do Evangelho, onde narrou “todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar, desde o princípio até ao dia em que foi elevado ao Céu, depois de ter dado, pelo Espírito Santo, as suas instruções aos Apóstolos que escolhera”, são Lucas decide escrever sobre os primeiros tempos da Igreja, acompanhando a ação evangelizadora e a implantação de comunidades cristãs.
A Ascensão de Jesus faz a ligação aos dois livros, Evangelho e Atos dos Apóstolos, sublinhando que agora os apóstolos têm ao seu encargo a missão de Jesus, cabe-lhes anunciar o Evangelho a toda a criatura.
As dúvidas e as hesitações de alguns, como tínhamos visto no Evangelho, persistem e manifestam-se na espera iminente do Reino de Deus, como termo do Universo, ou na restauração de Israel. A resposta de Jesus é contundente: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra».
Jesus elevou-Se à vista deles! Os discípulos continuam com dificuldade em assentar os pés na terra e comprometer-se com este chão, este mundo, a história, com os nossos irmãos. Apresentam-se dois homens (anjos) vestidos de branco e despertam-nos: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
4 – São Paulo, por sua vez, reza pelos efésios, para que a sabedoria e a revelação lhes ilumine o coração e os desperte para à esperança a que foram chamados, aos tesouros do mistério plenizados por Jesus. O poder de Deus é garantia para vivermos confiantes. O Pai da glória ressuscitou Jesus e colocou-O à Sua direita. O decisivo não é o poder, mas a força do amor de Deus que ressuscita Jesus e nos configura a Ele, para que a nossa morte seja encontro definitivo na Sua eternidade.
Assim o rezamos a iniciar a Eucaristia, na oração de coleta: «Deus todo-poderoso, fazei-nos exultar em santa alegria e em filial ação de graças, porque a ascensão de Cristo, vosso Filho, é a nossa esperança: tendo-nos precedido na glória, como nossa Cabeça, para aí nos chama, como membros do seu Corpo».
A nossa identificação a Jesus terá como consequência e sequência o sermos assumidos por Ele na eternidade, para sempre.
Esta confiança gera oração, alegria, louvor e gratidão. Como reza o salmista: «Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com brados de alegria… Deus subiu entre aclamações, o Senhor subiu ao som da trombeta. Cantai hinos a Deus, cantai, cantai hinos ao nosso Rei, cantai. Deus é Rei do universo: cantai os hinos mais belos. Deus reina sobre os povos, Deus está sentado no seu trono sagrado».
O reconhecimento da soberania de Deus evita a instrumentalização e o endeusamento, torna-nos iguais e torna-nos irmãos, reconhecendo-O como Pai de todos e, por conseguinte, todos filhos no Filho, Jesus Cristo. Reconhecer… é a primeira etapa para nos deixarmos converter… caminho para assumirmos no dia a dia o que sabemos e o que vemos pelos olhos do coração.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 1, 1-11; Sl 46 (47); Ef 1, 17-23; Mt 28, 16-20.