Ascensão do Senhor ao Céu – 24 de maio de 2020

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Ascensão do Senhor ao Céu – 24 de maio de 2020

54.º Dia Mundial das Comunicações Sociais

1Ide em paz e o Senhor vos acompanhe.

As últimas palavras da Eucaristia são de despedida (Ite missa est), o que implica, não um termo, mas um envio. Quando se diz a alguém para ir, dá-se-lhe uma tarefa para cumprir, mostrando, de algum modo, ascendência daquele que envia em relação ao enviado. No cristianismo, Jesus é o Enviado por excelência, ainda que na consubstancialidade com o Pai e com o Espírito Santo. Jesus é o Enviado do Pai para anunciar a Boa Notícia da salvação à humanidade. Um envio que é vida encarnada, entranhada na história e no tempo, comprometida no amor, até ao fim, fazendo com que todos possam fazer parte do sonho de Deus.

Como prometera, o tempo histórico de Jesus chegou ao fim, com a Sua morte, esgotando todas as oportunidades para portar o amor de Deus. Com a ressurreição, uma dimensão nova que nos coloca, em definitivo, no mistério de Deus. Jesus tornou Deus visível para todos. A partir da Ressurreição, a Sua visibilidade far-se-á pela ação do Espírito Santo que atuará em nós, na Igreja, Corpo de Cristo, e livremente em todo o mundo.

2«Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos».

Quando vemos partir alguém poderemos ficar atónitos, um pouco como os Apóstolos. Depende, obviamente, de cada partida, se para trabalhar, se provisória ou definitiva, anunciada ou repentina, para perto ou para longe, o fim de um relacionamento, a morte. A partida de Jesus é definitiva, é para sempre. Mas não é repentina, Jesus prepara-nos para partir, anuncia a morte, anuncia a ressurreição, anuncia o que acontecerá depois: ressuscitará… voltará… para que, então, a nossa alegria seja completa… irá para a casa do Pai, onde há muitas moradas, onde nos preparará uma morada, para que onde Ele estiver, nós estejamos com Ele. Mas tudo tem a sua cadência e todos temos o nosso tempo. De junto do Pai, enviar-nos-á o Espírito Santo, o Paráclito, o Defensor, que nos revelará toda a verdade, nos recordará tudo quanto Jesus disse e fez e possamos segui-l’O, agora, na terra e, depois, na eternidade.

Ele que é a Luz, não nos deixa às escuras, às apalpadelas, estará connosco, de uma forma nova. Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, estarei no meio deles. Com a Ressurreição, Jesus aparece aos discípulos. Mais uma vez os prepara. Agora como antes, o chamamento dá lugar ao envio. Vinde! Farei de vós pescadores de homens. Ide, levai o Evangelho a todos os povos, constitui comunidades que vivam e testemunhem o reino de Deus, na alegria e na bondade, no amor e na comunhão.

3Quarenta dias para nos prepararmos para a celebração festiva da Páscoa. 40 dias de Jesus no deserto para Se preparar para a vida pública. 40 dias depois da Páscoa, Jesus ascende à eternidade de Deus Pai. São quarenta dias muitos promissores, contados, não com horas, minutos e segundos, mas com passos dados de oração, reflexão, conversão, boas obras. Quarenta… é uma oportunidade de reconversão, de interiorização, de mudança de vida, de preparação para se libertar dos pesos, dos medos, dos afastamentos e dos egoísmos, da indiferença, para acolher o Espírito de Deus, para se deixar guiar por Ele. Vale para o próprio Jesus. Vale para os apóstolos, e vale para nós, discípulos missionários deste tempo.

Os Onze partiram, diz-nos São Mateus, em direção ao monte indicado por Jesus. Quando O veem, adoram-n’O… é esse também o nosso compromisso… e quando O vemos nos outros o compromisso é o mesmo: serviço, ternura e cuidado.

São Lucas, no seu segundo livro, Atos dos Apóstolos, revela-nos como Jesus encontra os Apóstolos, surpreendendo-os, está vivo, apresenta-se no meio deles, reúne-os novamente, e faz o upgrade: é o mesmo, com as marcas da Paixão, mas já não sujeito às coordenadas do espaço e do tempo. Estará presente, está ao meio, será o centro nevrálgico do encontro e da comunidade, mas conta com as nossas mãos para afagar, para levantar quem estiver cansado, com as nossas pernas e pés para caminhar ao encontro dos mais frágeis, com a nossa voz para espalhar alegria e a esperança, a Boa Nova da salvação, em toda a parte.

Não é tempo de cruzar os braços, de ficar a olhar para as nuvens, à espera que a vida aconteça, ou a aguardar um truque de magia que faça com que os espinhos se soltem das rosas. Vale a pena recordar o que nos diz o Principezinhos, os espinhos também ajudam a proteger a rosa, ainda que sejam precisas mais coisas, ou apenas uma: o amor, o cuidado… somos responsáveis uns pelos outros, sobretudo pelos mais frágeis.

«Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel?» O tempo Deus dá-no-lo de graça para preenchermos de bem. Os tempos, porém, são de Deus pertence, a nós cabe-nos ser a voz, mas mãos, os abraços e a bênção de Deus.

«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu»

Como nos dirá São Paulo, com o olhar colocado no alto, a nossa Pátria, afeiçoando-nos às coisas do alto, mas com os pés em terra firme, com as mãos a envolver os irmãos, fiéis ao Amor do Pai por toda a humanidade que nos cabe amar, concretizando em cada pessoa que se abeira de nós.

4«Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas… até aos confins da terra». Na escolha do 12.º apóstolo, para substituir Judas, e que recaiu em Matias, uma das condições é que seja alguém que tenha “andado” com Jesus, pois não é possível testemunhar sobre quem se desconhece. Melhor, para testemunharmos a vida de alguém precisamos de a conhecer bem, fazer parte da vida dessa pessoa, só assim, verdadeiramente, poderemos dizê-la. O essencial somente é visível ao coração (Principezinho). O Espírito Santo fará o resto. Não vos preocupeis com o que haveis de falar, pois o Espírito Santo vos inspirará sobre o que haveis de dizer (cf. Lc 12, 11).

Hoje somos nós os discípulos missionários, mas como se nós não “andámos” com o Senhor Jesus? A experiência de encontro e de cumplicidade com Jesus é fundamental. Hoje fazemo-lo pela oração persistente, pela escuta/leitura e meditação da palavra de Deus, pela participação na vida da comunidade, acolhendo o testemunho e as vivências dos outros, na prática das obras de misericórdia… onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles… o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis… 

Na segunda leitura, São Paulo desafina-nos, a partir da sua própria experiência de vida, em jeito de oração e de invocação, a nos deixarmos interpelar pelo mistério de Deus. Também ele não estava no lote dos que, durante a vida pública, andaram/viveram com Jesus. Mas deixou-se encontrar e converter por Ele e plasmar pelo Espírito Santo, tornando-se o maior missionário de todos os tempos.

“Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito de sabedoria e de revelação para O conhecerdes plenamente e ilumine os olhos do vosso coração, para compreenderdes a esperança a que fostes chamados, os tesouros de glória da sua herança entre os santos e a incomensurável grandeza do seu poder para nós os crentes”.

5 – Comemora-se hoje, como habitualmente na solenidade da Ascensão do Senhor, o Dia Mundial das Comunicações Sociais. Na mensagem para esta jornada, o Santo Padre convida-nos a uma narrativa de bênção, com histórias boas, que envolvam, que enraízem e que permitam sonhar com um mundo melhor. «“Para que possas contar e fixar na memória” (Ex 10, 2). A vida faz-se história». Logo no início, o Santo Padre sublinha: “Na confusão das vozes e mensagens que nos rodeiam, temos necessidade duma narração humana, que nos fale de nós mesmos e da beleza que nos habita; uma narração que saiba olhar o mundo e os acontecimentos com ternura, conte a nossa participação num tecido vivo, revele o entrançado dos fios pelos quais estamos ligados uns aos outros”.

Nem todas as histórias são boas e humanizadoras. A Bíblia é a História das histórias, “é a grande história de amor entre Deus e a humanidade. No centro, está Jesus: a sua história leva à perfeição o amor de Deus pelo homem e, ao mesmo tempo, a história de amor do homem por Deus. Assim, o homem será chamado, de geração em geração, a contar e fixar na memória os episódios mais significativos desta História de histórias: os episódios capazes de comunicar o sentido daquilo que aconteceu”.

O Santo Padre prossegue, dizendo e desafiando: “Em cada grande história, entra em jogo a nossa história. Ao mesmo tempo que lemos a Escritura, as histórias dos Santos e outros textos que souberam ler a alma do homem e trazer à luz a sua beleza, o Espírito Santo fica livre para escrever no nosso coração, renovando em nós a memória daquilo que somos aos olhos de Deus. Quando fazemos memória do amor que nos criou e salvou, quando metemos amor nas nossas histórias diárias, quando tecemos de misericórdia as tramas dos nossos dias, nesse momento estamos a mudar de página”

O que nos contaram, o que vimos e ouvimos continua a ser interpelação para que sejamos comunicadores da alegria e da esperança, envolvidos na luz da fé, comprometidos com a Boa Notícia da Salvação. Narrativas boas ajudam a alimentar a esperança e a comprometer-nos na transformação do mundo, dando o melhor de nós, para fazermos com que a Boa Notícia, Jesus, se faça vida, encarnando em cada situação, em cada tempo.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 1, 1-11; Sl 46 (47); Ef 1, 17-23; Mt 28, 16-20.