Solenidade da Assunção de Nossa Senhora ao Céu – 15 de agosto
1 – Em Maria, Mãe de Jesus, cumprem-se as promessas de Deus. N’Ela vem habitar a força do Espírito Santo, assumindo-A por inteiro, para Se tornar, com o Seu sim, Mãe do filho de Deus, do Deus connosco. A morada de Deus entre os homens é, antes de mais e por maioria de razão, Maria, desde sempre escolhida, desde sempre consagrada para ser a Mãe do Messias.
Na primeira leitura da Missa vespertina, David impele o povo a fazer uma grande festa, a Arca da Aliança está de novo em Sião, na cidade santa de Jerusalém. “Trasladaram a arca de Deus e colocaram-na no meio da tenda que David mandara levantar para ela. Depois ofereceram, diante de Deus, holocaustos e sacrifícios de comunhão.” A Arca contém a Lei, a Aliança de Deus com o Povo, a promessa firme de Deus de que não abandonará o Seu povo. Para nós cristãos, a nova Arca é Maria, é n’Ela que está, não a Lei, mas a Palavra de Deus, Deus feito homem. Ela é a primeira Igreja, em cujo corpo se forma o Corpo de Jesus Cristo, que integraremos pelo batismo.
Rezamos com o salmista que “o Senhor escolheu Sião, preferiu-a para sua morada” e, por conseguinte, será para Deus o lugar do Seu repouso, aí habitará para sempre. Maria é Filha de Sião. É uma linha de sucessão em que Deus – que nos criou – vem ao nosso encontro para nos assumir como filhos. Deus não está à margem, não Se coloca à parte, por cima, ou de fora. Deus entra na história e no tempo, respeitando a nossa liberdade, a nossa fisionomia, a nossa humanidade. Também Ele quer nascer em nós, através da geração/gestação carnal. Ainda que Maria não conheça homem, pois n’Ela opera a força, a sombra, do Espírito Santo! E assim Jesus é verdadeiramente homem, nascido de mulher, verdadeiramente Deus, nascido pelo Espírito Santo, antecipando o nosso nascimento espiritual, pela água e pelo Espírito.
Maria é preparada por Deus – Imaculada Conceição – para assumir uma missão muito peculiar na história da Salvação: ser Mãe do Filho de Deus. É um privilégio, segundo os Padres da Igreja, em atenção aos méritos futuros da paixão redentora de Jesus Cristo, no qual todos somos redimidos. Até mesmo Maria é salva pela morte e ressurreição de Jesus, Seu Filho.
Puro Dom de Deus, Ela tornar-se-á também nossa Mãe. Mãe da Igreja. Melhor, Ela é a primeira Igreja que nos dá Cristo.
2 – Este mistério, como outros que envolvem a Virgem Maria, foi percebido e acolhido primeiramente e com maior humildade e generosidade pelo povo de Deus, a Igreja. Só muitos séculos depois a Igreja hierárquica sanciona positivamente a fé de todo o povo. Pio XII, em 1 de novembro de 1950, confirma como doutrina de fé para toda a Igreja, aquilo que a Igreja (mais popularmente) tinha como certo. Maria foi preservada desde sempre, antes de nascer. Preservada imaculada para Deus e assim Deus a preserva também no túmulo, para além da morte.
Se nos ficarmos no dogma, como uma declaração da fé professada, não chegaremos a entrar no mistério que nos é dado em Maria, como uma certeza que faz desabrochar a nossa fé.
Numa lógica racionalista, só o que pode ser demonstrado tem propriedades de ser verdadeiro e real! Pura razão que deixaria de fora sentimentos e emoções, pois o amor, o ódio, a confiança, não são demonstráveis pelas regras da ciência positiva. Também a cultura e a história assentam bases na confiança e na palavra dada, na interpretação e na boa-fé de quem nos narra e transmite os acontecimentos. A fé, como luminosamente expressou a Encíclica A Luz da Fé, preparada por Bento XVI e publicada por Francisco, não é um campo obscurantista que nos ilude, mas é luz que nos guia, que dá sentido à nossa vida, e que potencia a inteligência e a razão.
Na plenitude dos tempos, Deus revela-Se encarnando. A Palavra de Deus tem um rosto, uma identidade, um Corpo, que não ofusca a nossa humanidade, pelo contrário, revela e clarifica a nossa origem, o sustentáculo e o fim da nossa existência. Doravante, as promessas concretizam-se e dão luz à nossa busca. Não estamos sós, fechados entre o nascimento e a morte, num período de tempo limitado a umas dezenas de anos. Quando morrermos, por mais doloroso que seja pensar neste facto e por mais triste que seja para quem gosta de nós, por mais sofrível que seja deixarmos tudo e sobretudo as pessoas que amamos, a certeza que não seremos apenas pó que se desfazerá terminando a nossa história e a nossa vida. Jesus entra na história, em Maria torna-se um de nós, para nos fazer entrar na vida de Deus. Assume-nos como seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, e assume-nos como irmãos cuja pátria definitiva está no Céu, onde Ele já Se encontra à direita do Pai. Ora, em Maria esta promessa torna-se certeza: Ela já Se encontra onde Se encontra o Seu filho. A Mãe quer-se sempre perto dos Filhos.
3 – São Paulo faz transparecer a fé na ressurreição que, embora não anulando o sofrimento do tempo presente, nos faz relativizar as contrariedades da vida: “Quando este nosso corpo mortal se tornar imortal, então se realizará a palavra da Escritura: «A morte foi absorvida na vitória. Ó morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão?». Com efeito, “Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram”. A morte que veio por um homem, Adão, será vencida por outro homem, Jesus Cristo. A ressurreição de Jesus marca o início de um tempo novo. Ele abre-nos as portas da eternidade de Deus. Maria é assunta ao Céu, juntando-Se ao Seu filho e garantindo-nos que a seguir seremos nós, seguindo Jesus.
4 – O PRIVILÉGIO de Nossa Senhora – preservada de toda a mancha e da corrupção – diz-nos que TODA a vida, o Seu Corpo inteiro, é de Deus e para Deus. No início, durante e no fim. Mas é um privilégio instrumental, lunar, como é a Igreja. Tem como fito refletir a luz, refletir Jesus Cristo. Obviamente, o SIM de Maria não é passivo, deixando que Deus aja sem Ela querer. Ela terá que dizer SIM no momento da Anunciação e durante toda a vida. Nesse sim Se torna Mãe de Jesus. Nesse sim Se tornará nossa Mãe, Mãe da Igreja. Se é a Mãe de Jesus, também será Ela a portadora do Corpo de Cristo, a Igreja, do Qual somos membros.
Ela é iluminada, salva, pela LUZ que incide no Seu coração. Mas a LUZ é para ser vista, é para revelar todo o bem que A rodeia e que nos envolve. E logo nos primeiros instantes, Ela nos dá Jesus, colocando-O na manjedoura. Os Pastores e depois os Magos encontram o Menino envolto em panos e podem “pegar” n’Ele, adorá-l’O.
No alto da Cruz, Jesus diz claramente que doravante a maternidade de Maria se expande para todos os seus discípulos, para toda a Igreja. Dessa hora em diante cabe-nos acolher Maria, trazê-l’A para nossa casa, para a nossa vida. Só assim nos tornamos discípulos amados de Jesus, só assim assumimos a fraternidade que Ele nos oferece. Partilha connosco a Mãe, para que nos assumamos, entre nós, como irmãos.
5 – No evangelho – belíssimo – da Missa vespertina, Jesus diz-nos que a missão de Nossa Senhora é um privilégio que está ao nosso alcance. Uma mulher, levantando a voz por entre a multidão, declara: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu ventre e Te amamentou ao seu peito». Mas logo Jesus nos revela que a prerrogativa de Nossa Senhora não é um exclusivismo: «Mais felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática».
Maria é Mãe, mas também é discípula de Jesus. É a primeira Igreja. Gera Cristo. N’Ela se reflete e refulge a Luz que vem da eternidade de Deus. Mas integra o Povo de Deus que peregrina ao encontro do Seu Senhor. Em vida: feliz porque escuta. Bem-aventurada Aquela que acreditou em tudo quando vem da parte do Senhor. E depois da morte (temporal), continua a dar-nos Jesus, e a acolher-nos como filhos. Ela é bem-aventurada por todas as gerações por nos ter dado o Salvador e nos mostrar como podemos responder e realizar o nosso sim a Deus em gestos de atenção, cuidado e intercessão a favor dos nossos irmãos.
Somos chamados a partilhar a gravidez de Maria, acolhendo a Palavra que vem de Deus e dando à luz, ao mundo, a Luz, o Deus que nos habita e que em nós faz a Sua morada, preparando e antecipando JÁ a eternidade que nos espera.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia: Ap 11, 19a; 12, 1-6a.10ab; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56.