Solenidade da Santíssima Trindade – ano A – 2023

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Solenidade da Santíssima Trindade – ano A – 2023

1 – Um mistério não deixa de o ser por mais que se estude, se revele, se reflita, por mais que se explique. É assim o mistério que hoje celebramos, o da Santíssima Trindade, um Deus, único e pessoal, três Pessoas distintas. A oração inicial dá o tom e coloca-nos, em atitude humilde, diante do Senhor: «Deus Pai, que revelastes aos homens o vosso admirável mistério, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito da santidade, concedei-nos que, na profissão da verdadeira fé, reconheçamos a glória da eterna Trindade e adoremos a Unidade na sua omnipotência».

Mais que compreender, importa acolher o mistério que nos vem de Deus e que se torna “compreensível” em Jesus Cristo. Centrando-nos na Trindade, procuramos encaixar, relacionar, envolver o Pai e o Filho e o Espírito Santo, uma mesma natureza, em três pessoas, sem divisão, sem confusão, mas comunhão, circularidade de vida e de amor. Ao Pai lhe atribuímos a criação, ao Filho a salvação, ao Espírito Santo a santificação. O Pai é o Amante, Aquele que ama, o Filho é o Amado, recebe e acolhe o amor do Pai, o Espírito Santo é o Amor, que une o Pai e o Filho. Na verdade, o que dizemos do Pai, o dizemos do Filho e do Espírito Santo; o que dizemos do Filho, o dizemos do Pai e do Espírito Santo; o que dizemos do Espírito Santo, o dizemos do Pai e do Filho. Para esta circularidade e comunhão, usamos a palavra “pericorese”. Mais que destrinçar o mistério trinitário em si mesmo, cabe acolher o Deus que Se revela no tempo e na história, encarnando, em Jesus Cristo, trazendo-nos a eternidade, a glória e o amor.

Quem Me vê, vê o Pai. Eu e o Pai somos Um. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Jesus, não se perdendo em grandes explicações, diz-nos o essencial, o que precisamos de saber e de viver. Olhamos para Ele e Ele é a presença, o rosto, a Palavra de Deus Pai. Já dizemos nós a alguns filhos que são a cara chapada dos pais, tal filho, tal pai. Jesus Cristo faz-nos ver, em Si e através de Si, o rosto, a identidade do Pai. Quando fala do Espírito, diz-nos Jesus: «Quando Ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á na verdade toda. De facto, não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouvir e anunciar-vos-á o que está para vir. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo quanto o Pai tem é meu. Por isso vos disse: recebe do que é meu e vo-lo anunciará» (Jo 16, 13-15).

2 – Para vermos o Pai, basta fixar o nosso olhar, o nosso coração, a nossa vida em Jesus Cristo, no Seu agir, na Sua postura, ouvindo-O e vendo os prodígios que realiza. Em Jesus, vemos um Deus próximo, amigo do ser humano, disponível para escutar, para amar, para Se dar totalmente, paciente, espera por mim e por ti, dá-nos tempo, respeita o nosso caminho e as nossas escolhas. A Sua opção é por todos, mas preferencialmente pelos mais frágeis, pobres, desvalidos. Se O queremos encontrar é com os pobres, é nos pobres. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. Crianças e mulheres quase sem direitos, pedintes, doentes, entre os quais surdos, mudos, coxos, leprosos, estrangeiros, publicanos e pecados, mulheres de vida duvidosa! Alguém precisa de O encontrar? Está onde estão os excluídos, aqueles que não valem nada aos olhos dos homens. Jesus é o Rosto e a Presença do Pai, melhor, é o rosto trinitário de Deus.

A Trindade é Amor. Às dúvidas de Nicodemos, Jesus mostra-lhe o bilhete de identidade de Deus: «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita n’Ele já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus».

Ainda há pessoas que se fiam mais da vingança e do castigo de Deus, do que do Seu amor, perdão e misericórdia. Em todo o Evangelho, melhor, em toda a Sua vida, Jesus não cessa de mostrar o amor de Deus, a ternura, a compaixão, a proximidade, tão próximo que se confunde como um de nós, tão próximo que se pode prender, se pode agarrar, se pode matar; tão próximo que podemos sentir o seu respirar e o Seu olhar profundo, meigo e acolhedor, desafiando-nos e acolhendo-nos como irmãos.

3 – Na primeira leitura, Moisés antecipa o que em Jesus se revelará em plenitude. Deus não é, principalmente, o Deus dos exércitos, Juiz distante e indiferente, «o Senhor, o Senhor é um Deus clemente e compassivo, sem pressa para Se indignar e cheio de misericórdia e fidelidade».

A fé e a confiança de Moisés num Deus bom e justo geram oração, louvor, adoração. Confia e por isso suplica: «Se encontrei, Senhor, aceitação a vossos olhos, digne-Se o Senhor caminhar no meio de nós. É certo que se trata de um povo de dura cerviz, mas Vós perdoareis os nossos pecados e iniquidades e fareis de nós a vossa herança».

A Moisés, os judeus reconhecem-no como o grande líder de Israel, reconhecemo-lo nós também, pela sua grande confiança em Deus, pelo zelo no cumprimento dos mandamentos, pelo cuidado pelo povo que Deus lhe entrega. As suas palavras acentuam a bondade de Deus, pronto a perdoar os nossos pecados. Queremos que caminhe entre nós, porque é o Seu favor que nos guia e nos salva.

À súplica de Moisés, junta-se o salmista e juntamo-nos nós. «Bendito sejais, Senhor, Deus dos nossos pais… Bendito o vosso nome glorioso e santo… Bendito sejais no templo santo da vossa glória… Bendito sejais no trono da vossa realeza… Bendito sejais, Vós que sondais os abismos e estais sentado sobre os Querubins… Bendito sejais no firmamento do céu: digno de louvor e de glória para sempre».

4 – Ao benzer-nos, sinal da Cruz, identificamo-nos com a oferenda de Jesus, por amor, até ao fim, até à morte e morte na Cruz, mas igualmente da Trindade santíssima, pois o fazemos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Desta forma começamos os momentos de oração e/ou reflexão, assim terminamos.

Algumas dessas doxologias, inspiram-se no labor epistolar de são Paulo. O apóstolo convoca-nos à alegria que se funda e apoia no amor de Deus. «Sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os mesmos sentimentos, vivei em paz. E o Deus do amor e da paz estará convosco. Saudai-vos uns aos outros com o ósculo santo. Todos os santos vos saúdam».

Eis a saudação que nos insere na Trindade, que nos faz comungar os mesmos sentimentos, sentindo-nos família, comunidade: «A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco».

Se a graça de Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estiverem verdadeiramente connosco, o espaço para o egoísmo, para a sobranceria e para a prepotência perdem terreno, dando lugar ao diálogo, à compreensão, à paciência, à entreajuda e à unidade. Neste caso, a saudação torna-se oração, desejo, desafio, compromisso. O que rezamos não são palavras que libertamos dos nossos lábios, são propósitos que brotam do coração, pedindo que Deus nos conceda o que Lhe pedimos e realizemos, a favor de todos, o que Ele nos concede por amor.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Ex 34, 4b-6. 8-9; Sl Dn 3, 52.53-54.55acd-56; 2Cor 13, 11-13; Jo 3, 16-18.