Solenidade de Cristo Rei do Universo – B – 2021

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Solenidade de Cristo Rei do Universo – B – 2021

1 – «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui».

Diante de Pilatos, Jesus assume uma realeza não concorrencial com os poderes deste mundo. A justificação das autoridades judaicas para levaram Jesus à justiça romana e à desejada condenação à morte é apresentá-l’O como um risco para o poder instalado.

Com efeito, os motivos que levaram as autoridades judaicas a prenderem e julgarem Jesus são diversos, mas todos se relacionam com a ameaça ao poder instalado, à corrupção e prepotência religiosa e política, ao ciúme e inveja que sentem em relação à Sua postura e mensagem. A mensagem de Jesus é clarificadora na opção preferencial pelos mais pobres, acolhendo a todos, especialmente os simples, pecadores e publicanos e pessoas com condutas duvidosas. A imagem de marca, assim O criticam, é comer/conviver com os pecadores. Há alguns confrontos verbais, em que Jesus chama doutores da Lei e fariseus de hipócritas, por exigirem aos outros o que não vivem, servindo-se dos cargos que ocupam para explorar as pessoas mais necessitadas.

Juntando as palavras e a postura, há lenha suficiente para queimar Jesus. Porém, se a ideia é condená-l’O à morte, só a autoridade romana tem poder para isso. Assim, em vez de razões religiosas, que poderiam suscitar a “excomunhão” de Jesus do judaísmo ou algum castigo público, juntam razões políticas, falsas, acusando-O de Se fazer passar por Rei dos Judeus, o que só por si significaria que estava em concorrência com o poder imperial, podendo suscitar alguma rebelião. Perante esta acusação, Pilatos interroga-O: «Tu és o Rei dos Judeus?». Jesus remete a realeza para uma dimensão mais espiritual, com incidência na vida concreta das pessoas. «Sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».

2 – A verdade! O que é? Que importância tem na tua, na minha vida? Há pessoas que morreram e morrem pela verdade, pelos princípios, pelas convicções e pela fé. Não apenas ontem, não apenas Jesus, mas também hoje, pessoas que valorizam a vida, mas não se vendem por conveniências, por comodismo, não vão na onda ou na moda, não se deixam vencer pela ameaça ou pelo medo.

A opção de Jesus é pela verdade, pelo amor, pelos mais frágeis, é uma opção por Deus e pelo Amor infinito a favor da humanidade. É o Seu foco, centro, meta, é a Sua realeza. Sendo Deus, faz-Se homem, assume-nos na nossa fragilidade e finitude, para nos enriquecer, para nos engrandecer e nos fazer comungar da vida divina. Veio para servir e dar a vida por todos. Tinha o poder para ser grande aos olhos dos grandes do mundo. Poderia ter nascido num palácio ou vir sobre as nuvens do Céu, poderia impor-Se pela força ou pela dinâmica milagreira! Impunha-Se, mas retirava-nos a liberdade de escolhermos por nós e nos responsabilizarmos pela nossa vida. Deus aceita a nossa recusa, o nosso esquecimento, a nossa indiferença, pois nos criou livres. Ama-nos, como filhos únicos, mas não força uma resposta! Espera pacientemente que o Seu amor por nós dê frutos, amadureça e Lhe possamos responder, amando-O e amando os irmãos, servindo-os.

Na vida de Jesus não há tiques de soberba ou sobranceria, não há tiques de poder ou de separação em relação às pessoas mais humildes. Quem O quer ver é mesmo aí, onde a vida floresce com simplicidade, esforços, trabalhos, canseiras, dores e sacrifícios, na festa e no luto, durante a semana e ao sábado! Nunca se viu um Rei tão servo, tão próximo, tão pronto para escutar, abraçar, acariciar, para perdoar e envolver, para erguer e incluir pessoas afastadas, desavindas, excluídas. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Dá a vida para ser um Caminho de Salvação para todos. A Verdade que nos propõe não é um conjunto de teorias, bem fundamentadas e entrelaçadas, mas é a verdade do amor, da generosidade, do dar/gastar a vida em prol do bem dos outros, até Se esgotar inteiramente.

3 – Desde o início do mundo humano que as disputas, egoísmo, inveja e prepotência se entrelaçam com a vida, a bondade e o amor. Na queda dos primeiros pais é notória a ânsia de poder, que gera afastamento dos outros, separação egoística, a disputa pelo primeiro lugar. Adão e Eva, livres, amados por Deus, com todas as condições para realizarem a vida e cuidarem do Jardim, para viverem com alegria, tornaram-se gananciosos e predispuseram-se a ocupar o lugar de Deus, arrebanhando para si mesmos os frutos das árvores. É esse o pecado original, segundo o nosso Bispo, D. António Couto, eles recolhem o fruto impedindo que outros tenham acesso. Haveria frutos para todos, mas alguém resolve recolher, esconder, guardar e controlar, colocando os outros na dependência escravizante.

Caim e Abel mostram que, por vezes, nem os laços de sangue são suficientes para criar harmonia, cooperação, trabalho em conjunto, rentabilizando dons e talentos a favor da família. Caim não olha para o bem que faz, para o que tem, mas, com inveja, cobiça a casa de Abel, os seus bens, a sua alegria, considerando-o, não irmão, mas adversário. Mete-lhe espécie a felicidade de Abel. Quantas vezes nos acontece o mesmo, em vez de apreciarmos o que somos e o que temos e agradecermos a Deus pela vida e pelos dons que nos dá, entristecemo-nos pela felicidade dos outros, pelo que têm, pela vida que levam. A outra pessoa estar bem deveria ser um motivo de regozijo, pois não é pelo facto de ficarmos tristes e invejosos que nos tornaremos mais felizes, pelo contrário, será sempre motivo de desilusão. Alegramo-nos com os outros, agradecendo a Deus, motiva-nos para a alegria, na confiança de também caminharmos para a bondade.

A oração ajuda-nos a dilatar o nosso coração para acolher a grandeza do amor de Deus, criando espaço para os outros. “Deus eterno e omnipotente, que no vosso amado Filho, Rei do universo, quisestes instaurar todas as coisas, concedei propício que todas as criaturas, libertas da escravidão, sirvam a vossa majestade e Vos glorifiquem eternamente”.

4 – Quando reina no nosso coração a inveja e o ciúme, caminharemos rapidamente para as trevas, para a infelicidade e para o rancor. Quando deixamos que no nosso coração reinem a bondade e o amor de Deus, estaremos no caminho da luz, da verdade e do serviço alegre aos irmãos.

A oração predispõe-nos a acolher a vontade de Deus, a realizar os Seus desígnios de paz e de misericórdia. O salmo faz-nos saber e reconhecer a soberania de Deus. “O Senhor é rei num trono de luz. / O Senhor é rei, revestiu-Se de majestade, revestiu-Se e cingiu-Se de poder. / Firmou o universo, que não vacilará. É firme o vosso trono desde sempre, Vós existis desde toda a eternidade. / Os vossos testemunhos são dignos de toda a fé, a santidade habita na vossa casa por todo o sempre”.

Colocar-nos, todos, diante da realeza de Deus fará com que estejamos no mesmo nível, ao nível de filhos, de irmãos uns dos outros. Se falha a realeza de Deus, se a eliminamos, como fez Caim, então deixamos vago esse lugar para alguém. Abrir-se-á a disputa pelo “poder” além e acima de todos. Ao longo da história da humanidade, pessoas e grupos ou nações que fizeram tudo para assumir um papel de poderia absoluto sobre os outros (povos ou pessoas), caíram em abusos, em guerras, em destruição e em morte.

“Contemplava eu as visões da noite, quando, sobre as nuvens do céu, veio alguém semelhante a um filho do homem. Dirigiu-Se para o Ancião venerável e conduziram-no à sua presença. Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza, e todos os povos, nações e línguas O serviram. O seu poder é eterno, não passará jamais, e o seu reino não será destruído”.

O nosso poder impõe-se contra os outros, subimos fazendo com que outros sejam esmagados. O poder de Deus, manifesto, revelado, vivido por Jesus é uma proposta de vida para, n’Ele, nos reconhecermos irmãos e construirmos uma sadia fraternidade. A disputa passará, não por lugares, mas pelo serviço aos demais. Mesmo que a vida política pressuponha debate, discussão, propostas para autarquias, regiões ou países, deverá (ou deveria) conduzir a um serviço efetivo a favor dos mais desfavorecidos e pela inclusão de todos numa sociedade harmoniosa, na qual ninguém é deixado para trás, ninguém fica de fora.

5 – Na segunda leitura, do livro do Apocalipse, na linha de Daniel, escritos que se ingerem no género literário apocalíptico, a realeza de Deus total e definitiva. O filho do Homem é Jesus, o Príncipe dos Reis da Terra, o Primogénito dos mortos.

O Senhor do Universo não é um déspota, mas Aquele que nos ama e que pelo Seu sangue nos libertou do pecado, fazendo de nós, para Deus Seu Pai, um reino de sacerdotes. “Ei-l’O que vem entre as nuvens, e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram; e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra. Sim. Ámen. «Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus, «Aquele que é, que era e que há de vir, o Senhor do Universo»”.

Há dois mil anos, ofereceu-Se por todos, por mim e por ti. Ressuscitado, continua a fazer-Se presente na Igreja, pela Palavra, pela oração, pelos Sacramentos, e virá para reunir todos os povos e nações numa só família para Deus. Esta esperança anima-nos a cooperar com a obra da redenção, pois sabemos que Ele vencerá e nós com Ele. Até a própria morte. A vida, o amor, Deus serão a última palavra.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Dan 7, 13-14; Sl 92 (93); Ap 1, 5-8; Jo 18, 33b-37.